Em um mundo onde a inovação exige velocidade, flexibilidade e colaboração, empresas estão migrando de modelos tradicionais de competição para estratégias de ecossistema. Essa abordagem, que já impulsiona gigantes da tecnologia, como o caso da Amazon, e também startups de alto crescimento, começa a ganhar espaço em setores como saúde, varejo, energia e serviços financeiros.
Segundo estudos do BCG Henderson Institute, mais da metade das empresas do índice S&P Global 100 já participa de pelo menos um ecossistema de negócios. Mas afinal, o que é uma estratégia de ecossistema — e por que ela se tornou tão relevante?
O que é um ecossistema de negócios?
Um ecossistema empresarial é uma rede dinâmica de empresas independentes que colaboram para entregar soluções integradas ao mercado. Essa colaboração pode ocorrer por meio de plataformas digitais, parcerias estratégicas ou consórcios. O objetivo é criar valor coletivo que nenhum dos participantes conseguiria gerar sozinho.
Existem dois tipos principais:
- Ecossistemas de transação: conectam compradores e vendedores, como o Mercado Livre ou Amazon.
- Ecossistemas de solução: integram produtos e serviços complementares, como o Apple Health ou o smart farming da John Deere.
Por que adotar uma estratégia de ecossistema?
De acordo com a consultoria BCG, há cinco motivações estratégicas para empresas se engajarem em ecossistemas:
- Expandir acesso ao mercado
- Fortalecer o negócio principal com complementos
- Proteger-se de ecossistemas concorrentes
- Explorar novas fontes de receita adjacentes
- Lançar novos negócios fora do core
Empresas ao redor do mundo já demonstraram que ecossistemas bem estruturados podem gerar retornos superiores aos pares tradicionais, como aconteceu com a DBS, de Cingapura, e a PingAn, da China, ambas atuando no setor de serviços financeiros e analisadas em estudos de caso que se tornaram referências para o mercado.
Como construir um ecossistema?
Segundo especialistas, criar um ecossistema exige mais do que tecnologia. É preciso:
- Identificar uma fricção de mercado relevante (ex.: falta de coordenação entre fornecedores)
- Definir o papel da empresa: orquestradora (líder) ou contribuidora (parceira)
- Estabelecer um modelo de governança claro e justo
- Atrair parceiros com incentivos e benefícios tangíveis
- Resolver o “problema do ovo e da galinha” (quem entra primeiro: clientes ou fornecedores?)
- Criar “flywheels” de crescimento, dados e escala
E nesse campo há também histórias de fracassos, como o da empresa de baterias para carros elétricos Better Place, que chegou a ter parcerias com grandes montadoras e até com governos, mas que, sem outras parcerias ativadas, acabaram por fechar suas portas tempos depois.
Concorrência entre ecossistemas: uma nova lógica
No quesito da competição, as que são realizadas entre ecossistemas é diferente da competição entre as empresas, pois ela envolvem uma disputa por parceiros, não apenas por clientes, estratégias de abertura ou fechamento de plataforma e dinâmicas como a chamada de “winner takes all”, onde o primeiro a oferecer uma solução completa tende a dominar o mercado
Esse modelo é desafiador até mesmo como entendimento, uma vez que Amazon, Apple e Google, adversárias em produtos e serviços, são, ao mesmo tempo, parceiras em seus ecossistemas. Afinal, um Iphone não teria grande valor sem os aplicativos de terceiros, inclusive dos concorrentes. E vice-versa.
Colaboração como vantagem competitiva
A estratégia de ecossistema representa uma mudança profunda na forma como empresas pensam crescimento e inovação. Em vez de competir isoladamente, elas constroem redes colaborativas que ampliam sua capacidade de entrega, reduzem riscos e aceleram a adaptação.Como destacou Michael Jacobides, professor da London Business School, “o sucesso de uma empresa depende cada vez mais da sua capacidade de colaborar com outras em um ecossistema bem desenhado”.
E uma vez que a Amazon se utiliza desse conceito para promover sua expansão, a GZM convidou um especialista para explorar melhor o caso real do investimento da empresa na Rappi. Confira a seguir a conversa com Felippe Pires, especialista em M&A e CEO da Louro Tech, plataforma de gestão online para o mercado financeiro. Ele também é fundador da Pires & Partners, boutique especializada em M&A e crescimento estratégico:
GZM: Como o investimento da Amazon na Rappi pode alterar o equilíbrio competitivo do e-commerce na América Latina?
Felippe Pires: A Amazon ganha uma arma poderosa contra o Mercado Livre. A Rappi tem a rede de entrega mais rápida (até 10 min) nas grandes cidades. Isso acelera a guerra pela “última milha”, forçando todos a melhorarem velocidade e reduzirem preços. O consumidor ganha no curto prazo e o setor evolui como um todo.
GZM: Quais são os principais desafios logísticos que a Amazon enfrenta na região e como a Rappi pode ajudar a superá-los?
Felippe Pires: A Amazon é forte, mas não tem a capilaridade urbana da Rappi. A logística na região é o maior desafio pois tem complexidade operacional e nuances específicas da região com regras complexas de impostos, estradas precárias, e regiões afastadas com baixa segurança. A Rappi surge como uma solução para a Amazon. Já tem uma rede de “minicentros” urbanos e entregadores prontos para levar qualquer coisa em minutos. A Amazon não precisa construir isso do zero e vai encurtar a curva de aprendizagem pra operar na região.
GZM: O modelo de investimento via warrants é comum em fusões estratégicas? Quais são os riscos e vantagens?
Felippe Pires: Sim, especialmente em apostas estratégicas. Para a Amazon, é low-risk. Ela só investe mais se a Rappi bater metas previamente estabelecidas. É o “namoro” antes de um possível “casamento” (aquisição maior). O maior risco na minha visão é a Rappi ficar dependente da operação da Amazon e reduzir sua autonomia para as tomadas de decisões.
GZM: A parceria pode acelerar a digitalização do varejo alimentar na América Latina? Como isso impacta o consumidor?
Felippe Pires: Sim, e muito. A Rappi já entrega comida e supermercado. Com o poder da Amazon, isso vai crescer, tornando a compra de alimentos por app algo ainda mais popular. Entendo que para o consumidor, a competitividade no setor pode reduzir mais os preços, porém se no médio/longo prazo o mercado ficar concentrado, os preços tendem a subir.
GZM: Há espaço para outras grandes empresas entrarem nesse mercado ou a disputa tende a se concentrar entre Amazon e Mercado Livre?
Felippe Pires: Acredito que esse movimento vai aquecer o setor e com certeza outras empresas vão participar dessa disputa pelo varejo via e-commerce. Na minha opinião, dois fatores vão mudar o jogo no setor nos próximos anos: Privatização dos Correios e entrada de novos players.
Quem comprar os Correios ganha uma rede logística que chega a literalmente todo o Brasil. Pode surgir um novo player forte ou fortalecer alguém (Magalu, Amazon, etc.) que se associar a ela. A 99 (da Didi) já está aí. A chinesa Meituan (dona da Keeta) está chegando. O iFood é um gigante local.
A briga pela entrega rápida vai ficar ainda mais acirrada, e todos podem tentar virar marketplaces também. A jogada Amazon+Rappi acelera tudo e coloca pressão nos concorrentes. Mas a logística no Brasil é o campo de batalha final. A privatização dos Correios e a chegada de empresas globais (como a dona da 99) garantem que a guerra pela América Latina está só começando.
