O Brasil está no centro de uma transformação silenciosa, mas profunda, no sistema financeiro global: a tokenização de ativos. Em 2025, o país deu passos decisivos para regulamentar e estruturar o uso de tecnologias como blockchain e Distributed Ledger Technology (DLT) na emissão e negociação de ativos mobiliários e imobiliários. O movimento acompanha uma tendência internacional que busca conciliar inovação, segurança e governança em um cenário ainda marcado por desafios regulatórios e dilemas éticos.
A blockchain surgiu como uma tecnologia revolucionária, prometendo descentralização, transparência e segurança. Seu uso inicial, no entanto, foi marcado por controvérsias: redes criminosas utilizaram criptomoedas para lavagem de dinheiro, evasão fiscal e financiamento ilícito. Casos como o do Silk Road, nos EUA, e o uso de mixers para ocultar transações em redes como Monero e Tornado Cash, acenderam alertas em governos e reguladores.
Com o tempo, no entanto, a tecnologia passou a ser “domesticada” por instituições financeiras e governos. A tokenização — processo de transformar ativos reais em representações digitais seguras — tornou-se uma das aplicações mais promissoras da blockchain, com potencial para democratizar o acesso a investimentos, reduzir custos operacionais e aumentar a liquidez de ativos tradicionalmente ilíquidos.
O mundo se organiza: países que lideram a regulação de ativos tokenizados
| País | Destaques Regulatórios |
| Suíça | Estrutura legal clara para ativos digitais desde 2021; referência em segurança jurídica |
| Cingapura | Sandbox regulatório ativo; foco em inovação com supervisão do MAS |
| Emirados Árabes | Zona franca de Dubai lidera em infraestrutura para ativos digitais |
| Estados Unidos | SEC e CFTC disputam regulação; avanço em ETFs de cripto e stablecoins |
| Brasil | Regulação em expansão; destaque para CVM, Banco Central e iniciativas setoriais |
Fontes: Funds Society, Cointelegraph Brasil
Mercado de capitais: ANBIMA testa tokenização de debêntures e fundos
Na data de publicação desta matéria, em 24 de outubro de 2025, a ANBIMA lançou um projeto-piloto de tokenização de ativos mobiliários, em parceria com a Fenasbac, a Federação Nacional de Associação dos Servidores do Banco Central. A iniciativa utiliza uma rede DLT padronizada e interoperável para simular a emissão, negociação e liquidação de debêntures e cotas de fundos de investimento.
O objetivo é avaliar ganhos de eficiência, transparência e integração entre sistemas. “A tokenização pode reduzir custos operacionais, aumentar a liquidez e permitir uma nova geração de produtos financeiros mais acessíveis”, afirmou a ANBIMA em nota oficial.
A iniciativa ocorre em um momento em que o Brasil já superou a marca de US$ 1 bilhão em ativos tokenizados, consolidando-se como líder regional na América Latina. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também tem atuado para definir o enquadramento legal desses ativos, diferenciando tokens de pagamento, de utilidade e de valores mobiliários.
Marcos regulatórios: o caminho da regulação dos criptoativos no Brasil
A trajetória regulatória dos criptoativos no Brasil tem se intensificado nos últimos anos, com avanços significativos em 2023, 2024 e 2025. O país busca equilibrar inovação tecnológica com segurança jurídica, proteção ao investidor e estabilidade sistêmica.
Principais marcos até 2025:
- Lei nº 14.478/22 (Lei dos Criptoativos): Estabeleceu diretrizes para a prestação de serviços de ativos virtuais, incluindo regras de licenciamento, supervisão e prevenção à lavagem de dinheiro. O Banco Central assumiu a função de regulador em 2023.
- Resolução CVM nº 175/2022: Reformulou o marco regulatório dos fundos de investimento, permitindo a inclusão de ativos digitais e tokenizados sob determinadas condições. Introduziu o conceito de classes de cotas e reforçou a governança dos fundos.
- Sandbox regulatório da CVM: Desde 2021, permite que modelos inovadores sejam testados com menor risco regulatório. Diversas iniciativas de tokenização passaram por esse processo.
- Projeto-piloto da ANBIMA (2025): Testa rede DLT para debêntures e fundos, com foco em interoperabilidade e eficiência.
- Resolução nº 1.551 do Cofeci (2025): Cria marco regulatório para Tokens Imobiliários Digitais, com regras para emissão, negociação e custódia.
Mercado imobiliário: Cofeci cria marco regulatório inédito
No setor imobiliário, o avanço foi igualmente expressivo. Em outubro, o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci) publicou a Resolução nº 1.551, criando o primeiro marco regulatório brasileiro para a tokenização de imóveis. A norma estabelece regras para emissão, negociação e custódia de Tokens Imobiliários Digitais (TIDs), além de definir figuras como as Plataformas Imobiliárias para Transações Digitais (PITDs) e os Agentes de Custódia e Garantia Imobiliária (ACGIs).
“Com esta resolução, o Cofeci antecipa o futuro do mercado imobiliário no Brasil, trazendo mais transparência, segurança e liquidez para transações digitais de imóveis. Os corretores continuam a ter papel central, validando informações, garantindo conformidade e protegendo os investidores”, afirmou João Teodoro, presidente do Cofeci.
A resolução prevê ainda um ambiente regulatório experimental (sandbox), permitindo que empresas testem modelos e tecnologias por até 12 meses antes da implementação definitiva.
O desafio da regulação: entre inovação e segurança
A Lei nº 14.478/22, em vigor desde 2023, foi o primeiro passo para regulamentar o setor de criptoativos no Brasil. Em 2025, o Banco Central prepara novas normas para plataformas de criptoativos e serviços de Banking as a Service (BaaS), com foco em segurança sistêmica e transparência.
Segundo o relatório da Chainalysis, o Brasil é hoje o maior mercado de criptoativos da América Latina e o décimo no ranking global. Cerca de 6,5 milhões de brasileiros possuem criptoativos, e 16% já investiram nesse tipo de ativo em algum momento.
Declarações oficiais em perspectivas
- Banco Central: “Estamos construindo um marco regulatório que estimule a inovação sem comprometer a estabilidade financeira”, afirmou um porta-voz da autoridade monetária em entrevista para imprensa.
- CVM: “A tokenização é uma realidade. Nosso papel é garantir que ela ocorra com segurança jurídica e proteção ao investidor”, declarou um representante da autarquia em evento recente.
- ABTOKEN: “A tokenização só se materializa plenamente em um ambiente com confiança, governança e padrões mínimos bem definidos”, destaca o Manual de Boas Práticas da associação.
O que vem pela frente?
A expectativa é que o Brasil continue avançando na construção de um ecossistema robusto para ativos digitais. A combinação de regulação clara, infraestrutura tecnológica e participação ativa do setor privado pode posicionar o país como referência global em tokenização.
O desafio, no entanto, permanece: como equilibrar inovação e segurança, descentralização e supervisão, liberdade e responsabilidade? A resposta está em construção — e o Brasil, ao que tudo indica, decidiu não ficar à margem dessa nova economia.
