“Se necessidade é a mãe da invenção, então a preguiça é a tia, e todos adoram a tia!”, dizia o Prof. Rui Santo, meu mentor no tema da criatividade. Com o tempo, percebi que essa frase era mais que uma piada espirituosa. Era uma síntese elegante da força que realmente move a humanidade.
O ser humano nasceu com uma inclinação natural a evitar esforços desnecessários. Por trás da aparência de defeito, essa tendência esconde um poderoso mecanismo de inteligência prática. Sempre que surge um problema, o impulso inicial é buscar uma forma mais simples de resolvê-lo. É essa busca pelo menor esforço que, paradoxalmente, nos faz avançar.
A preguiça, quando bem compreendida, não é falta de vontade, mas um instinto de economia de energia. E, entre todos os tipos de preguiça, há uma que merece destaque: a preguiça estratégica ou funcional, a qual apelidei de “preguiça responsável”. Ela aparece quando alguém sente vontade de não fazer, mas pensa antes de desistir. O preguiçoso responsável começa perguntando se aquilo realmente precisa ser feito. Depois, questiona se é ele quem deve fazer. E, por fim, chega à pergunta decisiva, aquela que separa o acomodado do criador: existe um jeito melhor, mais fácil, mais inteligente de fazer isso?
É nesse momento que a preguiça se transforma em motor de progresso. O preguiçoso responsável não foge do trabalho, ele o redesenha. Ao tentar poupar esforço, cria soluções que tornam a vida de todos mais simples. Foi assim que nascemos inventores, engenheiros e inovadores.
Quando alguém procura uma forma mais prática de executar uma tarefa, está aplicando, ainda que intuitivamente, os mesmos princípios que orientam a engenharia, a economia e a gestão moderna. Toda automação, todo processo simplificado, todo produto que facilita a vida é resultado desse impulso humano de reduzir o esforço. O controle remoto, o elevador, o micro-ondas, o computador e o smartphone são expressões materiais da mesma ideia: fazer menos para obter mais.
Essa lógica continua moldando o mundo atual. Os aplicativos de entrega, os assistentes virtuais e os serviços em nuvem são herdeiros diretos dessa velha aspiração. Queremos rapidez, conveniência e praticidade porque nossa energia é limitada e aprendemos a usá-la com inteligência. O que chamamos de conforto é, na essência, o triunfo da preguiça organizada.
Curiosamente, é esse mesmo instinto que guia a economia moderna. As pessoas trabalham duro não porque amam o esforço, mas porque desejam conquistar produtos e serviços que tornem a vida mais fácil. Trabalhamos para ter conforto, não o contrário. A busca pelo “prático” é a forma civilizada que encontramos de dar vazão à preguiça. No fundo, o esforço existe para financiar o descanso.
Essa relação entre preguiça e inovação também oferece uma ferramenta objetiva para avaliar o potencial de sucesso de produtos e serviços. A pergunta é simples: isso reduz ou aumenta o esforço humano? Sempre que a resposta é “reduz”, as chances de sucesso são enormes. Um produto que exige menos energia física, menos tempo ou menos atenção tende a ser adotado rapidamente. Há um instinto coletivo que premia tudo o que economiza esforço.
Essa é a lógica invisível por trás do mercado. Quanto menor o esforço necessário para usar algo, maior o valor percebido. Essa métrica simples antecipa tendências, orienta o design e explica por que algumas ideias prosperam enquanto outras desaparecem. Mesmo setores complexos, como transporte, energia e comunicação, seguem o mesmo princípio: vence quem torna tudo mais fácil, mais acessível e mais automático.
No fundo, o sucesso sempre foi representado pela mesma imagem. O ser humano realizado é retratado deitado em uma espreguiçadeira, à sombra, olhando o mar. Essa cena repetida em filmes, propagandas e fantasias pessoais não é um clichê vazio. É um símbolo universal. O ápice da realização não é o esforço, mas a possibilidade de abandoná-lo. Trabalhamos, inovamos e criamos máquinas não para suar mais, mas para poder, um dia, fazer absolutamente nada e sentir que merecemos esse nada.
O Prof. Rui Santo tem razão. A necessidade pode até ser a mãe da invenção, mas foi a preguiça que ensinou a humanidade a pensar. É ela que nos leva a buscar o jeito mais simples, mais elegante e mais eficiente de viver. E, se continuarmos ouvindo essa tia sábia, talvez ela ainda nos conduza mais longe, de preferência confortavelmente sentados.
Marcelo Massarani é Professor Doutor da Escola Politécnica da USP, Diretor Acadêmico da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, membro do Conselho Diretor do Instituto da Qualidade Automotiva e Conselheiro empresarial