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A base da solidez empresarial começa na proteção do patrimônio

Por Daniel Cabrera, articulista na Gazeta Mercantil e advogado especializado em direito empresarial há mais de 20 anos, especialista no desenvolvimento de estratégias para transformar as questões legais das empresas em um diferencial competitivo

Segundo o relatório Mapa de Empresas do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, referente ao 1º quadrimestre de 2025, foi verificada a abertura de 372.876 sociedades limitadas em 2025, representando um aumento de 15,5% em relação ao mesmo período no ano de 2024, consolidando-se o total de 7.622.825 sociedades limitadas ativas, o que representa 32,9% das empresas no Brasil. 

Este cenário reforça o papel histórico da sociedade como um instrumento essencial para fomentar a atividade econômica. A estrutura da pessoa jurídica, dotada de autonomia patrimonial, foi concebida para permitir que os empreendedores assumam um nível de risco calculado, muitas vezes superior ao que tomariam como pessoa física. Ao limitar a responsabilidade dos sócios, essa separação entre o patrimônio da empresa e o patrimônio pessoal incentiva o investimento e a inovação, sendo um pilar para o desenvolvimento econômico.

A regra, portanto, é que a personalidade jurídica de sociedade tem autonomia patrimonial em relação aos sócios, ou seja, em regra, os credores da sociedade devem se limitar ao patrimônio desta última para reaver seus créditos. No entanto, essa proteção não é absoluta e pode ser afastada em situações específicas por meio da desconsideração da personalidade jurídica, mecanismo que permite que as obrigações da empresa atinjam os bens particulares dos sócios.

A principal hipótese para que isso ocorra é a comprovação do abuso da personalidade jurídica, conforme o artigo 50 do Código Civil, caracterizado pelo desvio de finalidade (utilização da empresa para fins fraudulentos ou ilícitos) e pela confusão patrimonial (inexistência de separação de fato entre o patrimônio da empresa e o dos sócios).

É fundamental que o empresário também esteja ciente de que, em certas áreas, como na Justiça do Trabalho, a proteção patrimonial é mais flexível. A jurisprudência trabalhista frequentemente adota critérios menos rigorosos para redirecionar a execução, bastando, em muitos casos, o simples inadimplemento da obrigação pela empresa para que a responsabilidade seja estendida aos sócios-administradores. Assim, a má gestão e o descumprimento de obrigações legais, especialmente as trabalhistas, elevam consideravelmente o risco de os sócios responderem com seu patrimônio pessoal.

Além das práticas de gestão, a própria organização jurídica da empresa é um fator determinante para o nível de proteção patrimonial. A maneira como a sociedade é formalmente constituída e as regras que regem sua governança interna definem o grau de responsabilidade dos sócios, modulando a exposição ao risco, especialmente para os não administradores.

Nesse contexto, a construção cuidadosa dos documentos societários funciona como uma camada adicional e fundamental de proteção. Um Contrato Social bem estruturado é a primeira linha de defesa, estabelecendo com clareza as regras de administração, a distribuição de lucros, o pró-labore, e os critérios para exclusão de sócios e apuração de haveres. Para um detalhamento ainda maior e para tratar de questões estratégicas com confidencialidade, o Acordo de Sócios (ou Acionistas) é indispensável. Este contrato privado complementa o registro público e é o instrumento ideal para definir regras de governança, cláusulas de proteção patrimonial específicas, planejamento sucessório e mecanismos para a resolução de conflitos, minimizando litígios e fortalecendo a segurança jurídica de todos os envolvidos

As boas práticas indicam a combinação de quatro medidas jurídicas e de gestão  para uma condução mais segura e de proteção do patrimônio dos sócios/acionistas:

  • Holding patrimonial: na criação de uma holding, os bens, como imóveis e investimentos, são integralizados no capital da holding, que por sua vez detém a participação na empresa operacional. Isso cria uma camada adicional de proteção.
  • Governança corporativa: implementar práticas de boa governança, como a criação de um conselho de administração, a realização de auditorias independentes e a adoção de políticas de transparência.
  • Seguro de responsabilidade civil (D&O): contratar um seguro para administradores e diretores, que cobre custos de defesa e indenizações em caso de processos judiciais.
  • Planejamento sucessório: estruturar a sucessão em vida para garantir a continuidade da empresa e a proteção do patrimônio familiar.

É crucial, de início, desfazer um equívoco comum: planejamento patrimonial não é sinônimo de blindagem patrimonial. A blindagem carrega uma conotação de fraude, de uma tentativa de esconder bens para lesar credores. Estruturas montadas às pressas, após a constituição de dívidas, com o claro intuito de frustrar execuções, são ilegais e facilmente desconstituídas pelo Judiciário.

O verdadeiro planejamento patrimonial é um ato de organização prévia, lícito e transparente. Ele visa organizar os bens, otimizar a carga tributária, proteger o patrimônio contra riscos futuros e, principalmente, garantir uma sucessão tranquila e a continuidade do legado familiar e empresarial. 

Em resumo, a preservação do patrimônio é uma estratégia ativa de construção de valor e confiança. Uma empresa com reputação sólida atrai os melhores talentos, conquista a lealdade dos clientes, obtêm melhores condições com fornecedores e, crucialmente, cria um ambiente onde o diálogo e a negociação prevalecem. 

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