A 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em Nova York, acontece em um momento de forte tensão geopolítica e crescente questionamento sobre a efetividade das instituições multilaterais. Para empresas brasileiras e internacionais, o encontro representa não apenas um palco político, mas também uma oportunidade estratégica para acompanhar desdobramentos que podem impactar diretamente o ambiente de negócios, comércio exterior e regulação internacional.
A abertura da Assembleia será marcada por discursos contrastantes: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve defender o multilateralismo e a democracia, com críticas esperadas à atuação dos Estados Unidos; já o presidente Donald Trump, que retorna ao comando da Casa Branca, deve adotar uma abordagem centrada em mercados e segurança, com ênfase na “paz pela força”.
Segundo o economista Igor Lucena, Doutor em Relações Internacionais e CEO da Amero Consulting, o momento é delicado. “As ações das Nações Unidas, principalmente na área de diplomacia e tentativa de resolução de conflitos, estão extremamente fragilizadas. Isso porque os principais ‘players’ não respeitam suas próprias regras, usando a ONU apenas quando é de seus interesses”.
Temas centrais e implicações para o setor privado
A Assembleia Geral de 2025 traz à pauta temas que dialogam diretamente com o setor empresarial:
- Crise climática e COP30: com a conferência marcada para novembro em Belém (PA), espera-se pressão por compromissos mais ambiciosos em sustentabilidade. Empresas devem acompanhar possíveis acordos sobre carbono, energia limpa e cadeias produtivas verdes.
- Tecnologia e regulação digital: a implementação do Pacto Digital Global, aprovado em 2024, pode influenciar práticas corporativas em inteligência artificial, proteção de dados e combate à desinformação.
- Desigualdade e inclusão: a ONU reforça a necessidade de políticas voltadas à equidade de gênero, diversidade e justiça social — temas cada vez mais relevantes para reputação e compliance empresarial.
- Paz e segurança internacional: conflitos em Gaza, Ucrânia, Sudão e outras regiões continuam sem solução diplomática, afetando cadeias logísticas e decisões de investimento em mercados emergentes.
Multilateralismo em xeque e diplomacia comercial em foco
Apesar da relevância dos temas, há dúvidas sobre a efetividade das resoluções da Assembleia. “O grande ponto dessas reuniões é: elas trazem algum benefício? Este é o grande questionamento”, afirma Lucena. Para ele, o mais importante é que o Brasil aproveite o momento para avançar em negociações comerciais.
“As autoridades brasileiras devem utilizar esse momento para tentar reiniciar negociações para a resolução de tarifas. Para a visão geopolítica brasileira, o mais importante é o aumento de negócios com os Estados Unidos e tentar não perder um grande mercado consumidor”, explica.
Lucena também destaca que até países em conflito com os EUA estão buscando reaproximação comercial. “O mais importante hoje é utilizar a diplomacia em Nova York para resolver os nossos problemas”.
O que as empresas devem observar
- Acordos climáticos e regulatórios que possam impactar setores como energia, agronegócio, infraestrutura e tecnologia.
- Sinais de reaproximação comercial entre países, especialmente entre Brasil e Estados Unidos, com possíveis efeitos sobre tarifas, exportações e investimentos.
- Mudanças em padrões ESG globais, que podem influenciar exigências de transparência, rastreabilidade e impacto social.
- Tensões geopolíticas que afetam cadeias de suprimentos, decisões de risco e estratégias de internacionalização.
Expectativas e realismo
A presidência da Assembleia, liderada por Philémon Yang, promete priorizar “unidade na diversidade” e promover diálogos informais entre os Estados-membros. No entanto, a polarização entre grandes potências e o uso instrumental da ONU por interesses específicos levantam dúvidas sobre a capacidade do encontro de gerar avanços concretos.
Para o setor privado, o mais prudente é acompanhar os desdobramentos com atenção estratégica, buscando oportunidades de alinhamento com políticas internacionais e reforçando a diplomacia corporativa como ferramenta de influência e proteção de interesses.
Análise GZM: diálogo como ponte para o futuro
A abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, ocorre em um momento de profunda fragmentação geopolítica, marcada por conflitos armados, disputas comerciais, crises climáticas e desinformação digital. Ainda assim, o encontro representa algo que transcende os discursos e protocolos: a persistência do diálogo como ferramenta de construção coletiva.
Mesmo diante da fragilidade institucional das Nações Unidas — frequentemente criticada por sua incapacidade de conter abusos ou mediar disputas entre grandes potências — a reunião anual continua sendo um dos poucos espaços onde todas as nações têm voz. É ali que líderes globais, com visões muitas vezes opostas, compartilham suas narrativas, suas críticas e, sobretudo, suas propostas.
A Assembleia não é apenas um palco político. É um símbolo. Um lembrete de que, apesar das divergências, a humanidade ainda acredita na possibilidade de convergência. O simples ato de reunir representantes de 193 países em torno de uma mesa comum é, por si só, um gesto de esperança.
Em um mundo onde o ruído das armas e das sanções muitas vezes fala mais alto que os acordos, a diplomacia permanece como o fio condutor entre civilizações. O diálogo — mesmo imperfeito, mesmo tenso — é o que mantém aberta a porta para o entendimento. E é esse espaço que alimenta o futuro de possibilidades.
Para o setor privado, especialmente em países como o Brasil, a Assembleia representa também uma oportunidade estratégica. É o momento de reposicionar interesses comerciais, renegociar tarifas, fortalecer parcerias e ampliar a presença internacional. Como destacou o economista Igor Lucena, “o mais importante hoje é utilizar a diplomacia em Nova York para resolver os nossos problemas”. A diplomacia econômica, nesse contexto, torna-se tão relevante quanto os debates sobre paz e segurança.
A presença brasileira, com o presidente Lula defendendo o multilateralismo e a democracia, e a participação do presidente Donald Trump com uma visão centrada em mercados e força, ilustram o contraste de narrativas que coexistem no mesmo espaço. Mas é justamente essa coexistência que torna a Assembleia um fórum único: não há outro lugar onde tantas perspectivas se encontram com o objetivo — ainda que distante — de construir consensos.
A Assembleia Geral da ONU não resolve todos os problemas. Mas ela os reconhece, os nomeia e os coloca em debate. E isso, em tempos de negacionismo e isolamento, já é um avanço. Porque o futuro não se constrói apenas com tecnologia ou capital — ele se constrói com escuta, com presença e com diálogo.