1999: você ouvia Mambo No. 5, usava ICQ e achava o Hotmail o auge da tecnologia. O Nasdaq batia recordes. Bastava colocar “.com” no nome e pronto: valuation bilionário. Produto? Receita? Lucro? Detalhes. A conta chegou em março de 2000. O índice despencou 77%. E a bolha das pontocom entrou para a história.
Agora é a vez da inteligência artificial.
A OpenAI, ainda sem receita expressiva, já é avaliada em US$ 300 bilhões. Startups de IA levantaram mais de US$ 50 bilhões só em 2023. Em 1999, o total de venture capital investido em tecnologia nos EUA foi de US$ 105 bilhões, com cerca de 39% indo para negócios ligados à internet.
Na virada do milênio, foram 457 IPOs em 1999, muitos de empresas sem modelo de negócios. Pets.com valia US$ 300 milhões vendendo ração online. eBay negociava a 351 vezes seu lucro. Já em 2023, foram apenas 76 IPOs de tech nos EUA, e pouquíssimos ligados diretamente à IA. O capital, hoje, vem de grandes rodadas privadas, com fundos como Sequoia, a16z, Tiger Global, e grandes corporações.
Em 1999, empresas listadas como Webvan e Kozmo prometiam reinventar a logística urbana, mas queimavam milhões sem conseguir gerar receita consistente. Hoje, empresas como Anthropic, Cohere e Inflection AI também queimam caixa pesado — mas com uso real em assistentes, copilotos e plataformas já ativas.
A tecnologia de IA também já mostra resultados palpáveis: copilotos de código, agentes conversacionais, modelos que analisam dados, geram imagens e otimizam processos. Isso não elimina o risco, mas diferencia de promessas vazias do passado.
Outro ponto: cenário macroeconômico. Em 1999, os juros nos EUA estavam em 6,5% e o Fed ainda subia. Em 2024, partimos de um ciclo de alta, mas com juros estabilizados em torno de 5,25%, e expectativa de cortes em 2025.
A diferença regulatória também é relevante: em 1999, não havia freios para IPOs de empresas com prejuízos. Hoje, o apetite do mercado público é mais criterioso — e as rodadas privadas, embora abundantes, envolvem cláusulas mais exigentes e foco maior em governança e roadmap técnico.
Por enquanto, o entusiasmo com IA ainda é bancado por lucros de big techs e liquidez privada. Mas os valuations crescem rápido. A NVIDIA, com lucros reais, subiu cerca de 230% entre 2023 e 2024. O entusiasmo já contamina setores inteiros: marketing, saúde, jurídico, educação, financeiro. Tudo quer IA. Tudo quer rodar 24/7.
Tudo quer ser disruptivo. Soa familiar?
🧮 Comparativo: Bolha Pontocom vs. Ciclo de IA
| Aspecto | Bolha Pontocom (1999–2000) | Ciclo de IA (2023–2024) |
| Número de IPOs tech (EUA) | 457 IPOs em 1999 | 76 IPOs em 2023 (poucos de IA) |
| Exemplos de empresas | Pets.com, Webvan, eToys | OpenAI, Anthropic, Cohere |
| Valuation médio (sem lucro) | Até 350x lucro (sem receita) | Avaliações bilionárias com baixa ou nenhuma receita |
| Cenário de juros (Fed) | 6,5% e em alta | 5,25% e estável (com expectativa de queda) |
| Formato dominante de investimento | Abertura de capital (mercado público) | Rodadas privadas, big techs e fundos soberanos |
| Produto funcional real | Em geral, não | Sim, crescente uso em assistentes, análises, copilotos |
| Estopim da correção | Estouro do Nasdaq em mar/2000 | Ainda em expansão — sem correção definida |
A bolha das pontocom era um teatro cheio de atores ruins. O palco atual parece VIP — com elenco de estrelas. Mas toda bolha começa com aplausos.
Será que é diferente desta vez?