O mercado de luxo global acaba de testemunhar um marco histórico: a venda da única bolsa Birkin feita pela Hermès para Jane Birkin, arrematada por €8,6 milhões (cerca de R$ 55 milhões) em um leilão em Paris.
O recorde não apenas reforça o prestígio da marca francesa, como também consolida uma tendência que vem ganhando força — a de tratar bolsas de alto padrão como ativos financeiros.
Esse movimento, antes restrito a colecionadores e fashionistas, agora atrai um novo perfil de consumidor: o investidor. Modelos icônicos como a Birkin 25 e a Birkin 30 têm apresentado valorização constante nos últimos anos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a Birkin 25 subiu 15,74% entre 2019 e 2024, enquanto na Europa a alta foi de 30,3%. No Brasil, o reflexo é direto: plataformas especializadas em revenda, como a Front Row, registraram crescimento de 33,12% no valor total de vendas em 2024 e projetam expansão de até 40% para 2025.
Segundo Lilian Marques, fundadora e CEO da Front Row, a escassez e a preservação das peças são os principais motores desse mercado. “Temos clientes que compram bolsas Hermès exclusivamente como estratégia de diversificação patrimonial. Muitas sequer usam os produtos adquiridos”, afirma. A empresa atua como advisor de investimentos de luxo, com ticket médio de R$ 55 mil e casos de revenda com lucro superior a R$ 400 mil.
Além da valorização intrínseca, fatores geopolíticos também influenciam o mercado. A Hermès, que mantém produção artesanal e não terceiriza sua manufatura para a Ásia, tem se destacado em meio a crises reputacionais de concorrentes e mudanças tarifárias nos Estados Unidos. Com valor de mercado de €249 bilhões, a marca ultrapassou gigantes como a LVMH no topo do segmento de luxo.
A crescente atenção à procedência, sustentabilidade e valor de revenda tem transformado o consumo de luxo em uma nova forma de investimento. E as bolsas, antes símbolo de status, agora ocupam também um espaço estratégico em portfólios patrimoniais.
Curiosidades sobre bolsas de luxo
- A Birkin foi criada em 1984 após um encontro casual entre Jane Birkin e o então CEO da Hermès, Jean-Louis Dumas, em um voo.
- O tempo médio de produção de uma Birkin é de 18 a 25 horas, feita por um único artesão.
- Algumas bolsas Hermès têm lista de espera de até 6 anos, o que aumenta sua escassez e valor de mercado.
- A cor, o tipo de couro e os metais usados influenciam diretamente no preço e na valorização da peça.
- O mercado secundário de bolsas de luxo movimenta bilhões de dólares por ano, com plataformas especializadas em autenticação e curadoria.
Mercado em ascenção
O mercado de luxo no Brasil encerrou o ano de 2024 com um volume de vendas de aproximadamente R$ 98 bilhões, segundo dados levantados pela GZM. O resultado reflete a consolidação do consumo premium no país, impulsionado pela diversificação das categorias e pela expansão para novas regiões.
Embora o Sudeste ainda concentre a maior parte do consumo de luxo, o estudo aponta para um crescimento significativo em outras regiões, como Centro-Oeste e Nordeste. Esse fenômeno de descentralização do consumo é um dos fatores que sustentam as projeções positivas para o setor nos próximos anos.
Entre as categorias que mais se destacaram em 2024 estão:
- Moda e itens pessoais: As vendas do setor, que incluem vestuário, calçados, joias, relógios e produtos de beleza, somaram R$ 21 bilhões. O crescimento de 18% no segmento de carros foi um dos principais destaques.
- Imóveis: O mercado imobiliário de alto padrão também registrou vendas de R$ 21 bilhões. No Nordeste, as vendas nessa categoria cresceram 47% no primeiro trimestre de 2024 em comparação com o mesmo período do ano anterior.
- Automóveis: As vendas de veículos, incluindo carros a combustão, elétricos e híbridos, alcançaram R$ 21 bilhões.
- Saúde Premium: O setor de saúde, que considera hospitais e laboratórios, movimentou R$ 17,3 bilhões, com os hospitais premium no Nordeste já respondendo por 30% do mercado.
- Aviação e Iates: O setor de aviação registrou a venda de 2.803 aeronaves, com destaque para o crescimento de helicópteros e turboélices. O setor de iates faturou R$ 2 bilhões, consolidando-se como um nicho relevante.
O levantamento feito também apontou que, embora as vendas de bebidas finas tenham apresentado queda em dólar, o setor de hotéis e experiências, impulsionado pelo turismo, registrou gastos médios com diárias que subiram para R$ 2.900, um avanço de 19% ao ano.
O Brasil também se destaca no estudo da Euromonitor International como o nono no ranking dos dez mercados que mais crescem no mundo. A resiliência do mercado de luxo no país é atribuída à menor sensibilidade do consumidor de alta renda a crises econômicas, priorizando a manutenção de seus hábitos de consumo.
E para saber mais detalhes desse mercado, a GZM conversou com Lilian Marques, fundadora e CEO da Front Row. Confira:
GZM: Como você avalia a evolução do perfil do consumidor brasileiro de luxo nos últimos cinco anos, especialmente em relação à percepção de bolsas como ativos financeiros?
Lilian: O cliente brasileiro, de fato, seguiu essa tendência mundial e começou a “investir” no lugar de comprar. E essa característica se intensificou nos últimos anos. Podemos dizer que, apesar de todo desafio que temos em empreender no Brasil, a economia tem crescido nos últimos anos, mas a volatilidade desse cenário de certa forma incentiva a busca por investimentos mais seguros, e as bolsas de grife, mais especificamente, comprovadamente estão nessa categoria.
Modelos consagrados da Hermès têm registrado valorização constante. Mas o ponto principal é que, tradicionalmente, os itens de luxo são pensados para serem exclusivos, com as grifes muitas vezes adotando processos criteriosos e demorados até que os produtos finalmente cheguem às mãos dos clientes.
Porém, com a ascensão de trabalhos como o nosso, de buscar itens desejados e valorizados para a revenda, mais investidores brasileiros passaram a entender como funciona este mercado.
GZM: Quais fatores geopolíticos ou econômicos têm influenciado diretamente a valorização de bolsas Hermès e outros itens de alto padrão no Brasil?
Lilian: O mercado está passando por uma transformação gigante considerando grandes movimentos globais com novas fusões, como neste ano em que vimos a Prada comprando a Versace, e novas políticas protecionistas, especialmente os EUA taxando importações, o que afeta diretamente a distribuição, inclusive no Brasil, de itens de luxo. Isso faz com que vários produtos, especialmente os mais desejados e exclusivos, se tornem ainda mais raros. Consequentemente, mais caros, quando bem preservados.
GZM: A Front Row atua como advisor de investimentos em moda. Quais critérios são usados para identificar uma peça com alto potencial de valorização?
Lilian: Dois critérios são essenciais: autenticidade e estado de conservação. Para o primeiro, utilizamos um sistema de autenticação de produtos de luxo que utiliza inteligência artificial para identificar se um item é autêntico ou falsificado, considerando detalhes que, para a maioria, passariam despercebidos.
Ter essa garantia de autenticidade agrega muito valor à peça. Já para determinar o estado de conservação ideal, temos uma curadoria especializada para isso, no caso de seminovos.
GZM: Com o crescimento das plataformas de revenda e a digitalização do mercado, como a Front Row se diferencia em termos de curadoria e autenticidade?
Lilian: Na Front Row conseguimos monitorar acervos de colecionadores pelo mundo e identificar peças raras dignas de museu em poucos dias. E isso confere um diferencial enorme da nossa empresa para as demais resellers. Somos mais ativos nessa busca constante para oferecer exclusividade às nossas clientes, e não apenas reativos e dependente de pessoas que querem desapegar de algum item.
GZM: Quais tendências você enxerga para o mercado de luxo brasileiro em 2026 — tanto em comportamento de consumo quanto em oportunidades de expansão?
Lilian: Vemos um crescente desenvolvimento e expansão de marcas nacionais para fora e, portanto, uma competição melhor com o que temos de importado. Isso fortalece o mercado como um todo.
Em termos de oportunidades de expansão, percebemos, por exemplo, um avanço de regiões do Centro Oeste e Nordeste como ótimos pólos de desenvolvimento e, portanto, de compra de itens de luxo.