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Brasil aprova criação do Sistema Nacional de Educação: entenda o que muda

Imagem da Câmara dos Deputados no momento da aprovação da nova SNE
Projeto aprovado na Câmara agora segue para o Senado, onde poderá ser ajustado antes de virar lei

Após quase quatro décadas de debates e expectativas, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar 235/2019, que institui o tão aguardado Sistema Nacional de Educação (SNE). A proposta, que agora retorna ao Senado para nova análise, estabelece um marco regulatório para a cooperação entre União, estados e municípios na formulação e execução de políticas educacionais. Mas afinal, o que isso significa na prática?


O que é o Sistema Nacional de Educação?

O SNE é uma estrutura que visa organizar e articular os diferentes níveis de governo na gestão da educação pública. Inspirado no modelo do Sistema Único de Saúde (SUS), o SNE busca garantir que as políticas educacionais sejam planejadas de forma integrada, com divisão clara de responsabilidades e metas comuns.

A proposta prevê instâncias permanentes de pactuação entre os entes federativos, como a Comissão Intergestores Tripartite da Educação (Cite), coordenada pelo Ministério da Educação. Essa comissão será composta por representantes da União, dos estados e dos municípios, com participação paritária e regionalmente equilibrada.


Principais mudanças e avanços

1. Planejamento articulado

O SNE estabelece mecanismos para que União, estados e municípios planejem juntos suas políticas educacionais, promovendo maior eficiência e equidade na oferta de ensino.

2. Padrão mínimo de qualidade

A nova lei define que todas as redes de ensino devem seguir um padrão mínimo de qualidade, considerando infraestrutura, formação docente, jornada escolar, acessibilidade e desempenho dos alunos. Esses parâmetros serão integrados à Avaliação Nacional da Educação Básica.

3. Custo Aluno Qualidade (CAQ)

O CAQ será utilizado como referência para o financiamento da educação básica. Ele considera os insumos necessários para garantir qualidade mínima, como número de professores por turma, salário docente, estrutura física e recursos pedagógicos.

4. Infraestrutura Nacional de Dados da Educação (INDE)

Será criada uma plataforma nacional para integrar e compartilhar dados educacionais de forma segura e estratégica, facilitando o monitoramento e a tomada de decisões.

5. Educação indígena e quilombola

O texto reconhece as especificidades desses grupos, garantindo que a pactuação entre os entes federativos respeite os territórios etnoeducacionais e promova consulta prévia, livre e informada das comunidades envolvidas.

6. Ensino superior

A proposta também estabelece padrões de qualidade para o ensino superior, que servirão como referência para autorização de funcionamento de instituições e cursos, além de integrar a avaliação nacional da graduação.

7. Financiamento e inclusão

Estados, municípios e União deverão garantir recursos suficientes para manter suas instituições e programas educacionais. A lei também reforça a manutenção de políticas de inclusão, como cotas raciais e sociais, assistência estudantil e ações afirmativas.


Educação inclusiva: uma oportunidade de avanço

Especialistas em educação inclusiva veem o SNE como uma chance concreta de ampliar a atenção a alunos com deficiência. Para Katelyn de Sousa Marquez, pedagoga, especialista em Libras e educação inclusiva, com experiência no atendimento a crianças surdas e com múltiplas deficiências, o sistema pode representar um salto de qualidade:

“Um sistema educacional verdadeiramente inclusivo precisa considerar as necessidades de cada estudante. Com o SNE, podemos garantir que crianças surdas e com múltiplas deficiências tenham suas trajetórias acompanhadas e recebam o suporte necessário para aprender de forma plena e acessível.”

Katelyn atua na Secretaria de Educação do Distrito Federal desde 2019, desenvolvendo práticas pedagógicas adaptadas. Ela acredita que a articulação entre os entes federativos pode fortalecer políticas de inclusão e garantir que os recursos cheguem às escolas que mais precisam.


O que dizem os parlamentares

Durante o debate, o deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ) comparou o SNE ao SUS, destacando o potencial transformador da proposta. Já o relator Rafael Brito (MDB-AL) lembrou que o Plano Nacional de Educação de 2014 já previa a criação do sistema, mas o prazo foi ignorado por quase 11 anos.

A deputada Carol Dartora (PT-PR) celebrou os avanços antirracistas do texto, enquanto Chico Alencar (PSOL-RJ) reconheceu que, apesar de lacunas, o projeto representa um passo importante. Por outro lado, parlamentares como Kim Kataguiri (União-SP) e Adriana Ventura (Novo-SP) criticaram a falta de responsabilização dos gestores e possíveis inseguranças jurídicas para o ensino privado.

Deputado Rafael Brito do MDB de Alagoas, relator do projeto

O que pensa o movimento Todos Pela Educação

O movimento Todos Pela Educação, reconhecido como um dos grandes think thanks do tema no Brasil, considera a aprovação do SNE um avanço estruturante para a educação brasileira. Em seu posicionamento oficial, a organização destaca como pontos positivos:

  • A criação das instâncias de pactuação tripartite (CITE) e bipartite (CIBEs), que fortalecem o regime de colaboração entre os entes federativos.
  • A implementação da Infraestrutura Nacional de Dados da Educação (INDE), que permitirá a integração dos sistemas de informação e gestão educacional, com identificador único para cada estudante.

Por outro lado, o movimento aponta que o texto ainda precisa de aprimoramentos, especialmente na definição dos padrões mínimos de qualidade e na metodologia do CAQ. Para o Todos Pela Educação, esses padrões devem considerar indicadores de acesso, permanência e aprendizagem, além de serem atualizados periodicamente com base em evidências e contexto local.

A organização também defende que os sistemas de avaliação nacionais e subnacionais estejam alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), garantindo coerência entre o que se ensina e o que se avalia.


O que esperar daqui para frente?

Com a aprovação na Câmara, o projeto segue para o Senado, onde poderá ser ajustado antes de virar lei. Se implementado com eficiência, o SNE pode representar uma virada histórica na educação brasileira, promovendo mais equidade, qualidade e integração entre os sistemas de ensino.

A criação do Sistema Nacional de Educação é mais do que uma medida técnica — é uma tentativa de construir um pacto federativo em torno da educação pública. E como todo pacto, exige compromisso, transparência e vontade política para sair do papel e transformar realidades. 

Para especialistas, movimentos sociais e educadores, o SNE pode ser o início de uma nova era, onde cada estudante — independentemente de sua origem ou condição — tenha garantido o direito de aprender com dignidade, qualidade e inclusão.


Análise GZM | Educação: a urgência de um pacto nacional com escuta e respeito

A aprovação do Sistema Nacional de Educação (SNE) representa um marco histórico para o Brasil — não apenas pela estrutura que propõe, mas pelo que simboliza: a tentativa de articular uma base sólida, integrada e cooperativa para um dos pilares mais estratégicos do país. A educação é, ao mesmo tempo, presente e futuro. É onde se forma o cidadão, se constrói a inovação e se define o rumo de uma nação.

Mas estruturar um sistema não é suficiente. É preciso aprender a construir soluções com base em diálogo — e, de preferência, em diálogos plurais, interdisciplinares e respeitosos. A educação brasileira é diversa em seus territórios, complexa em suas demandas e rica em suas possibilidades. Por isso, qualquer avanço real exige escuta ativa, participação de especialistas de diferentes áreas e envolvimento genuíno da sociedade civil.

Discutir educação é urgente. Mas fazer isso de forma educada é a primeira lição que o país precisa aprender. O debate público sobre políticas educacionais não pode se transformar em trincheira ideológica ou disputa de narrativas vazias. Ele deve ser espaço de construção coletiva, onde divergências sejam ponto de partida para soluções mais robustas — e não para paralisações.

O SNE pode ser o início de uma nova era, mas só será efetivo se for acompanhado de uma cultura política que valorize o conhecimento, a cooperação e o respeito. A educação não é um setor técnico isolado: ela é o coração pulsante de qualquer projeto de país. E como tal, merece ser tratada com seriedade, sensibilidade e visão de longo prazo.

Se o Brasil quer se tornar uma nação mais justa, inovadora e preparada para os desafios do século XXI, precisa começar pela base. E essa base se constrói com diálogo, pluralidade e compromisso. Porque, no fim das contas, educar é também aprender a conviver. E isso, por sinal, começa pela forma como escolhemos conversar sobre o que nos educa.

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