O Brasil deu um passo decisivo rumo à soberania tecnológica na produção de baterias de íons-lítio. No dia 1º de outubro, o Instituto Senai de Inovação em Eletroquímica (ISI Eletroquímica), sediado no Paraná, apresentou os primeiros protótipos nacionais de células prismáticas durante o 1º Stage Gate do Projeto Estruturante de Baterias de Íons-Lítio.
O evento reuniu representantes de 27 empresas e instituições de fomento, incluindo gigantes como Petrobras, Stellantis, Volkswagen, GM, WEG, Tupy, CBA e CNH, para avaliar os avanços e definir os próximos passos rumo à produção semi-industrial de baterias no país.
Protótipos e maturidade tecnológica
Segundo Heverson Renan de Freitas, coordenador da área de Smart Energy do ISI Eletroquímica, os protótipos desenvolvidos em laboratório atingiram capacidades de 25Ah e 100Ah, com maturidade tecnológica de TRL 5. “O projeto contempla células prismáticas e cilíndricas, dois formatos amplamente utilizados no setor, e grande parte do desenvolvimento já foi realizada em escala reduzida na nossa planta de P&D”, explicou.
A próxima etapa será a instalação da planta semi-industrial e da sala seca — ambiente com umidade extremamente baixa, essencial para a produção segura de baterias. A chegada dos equipamentos está prevista para o final de 2025 e início de 2026, com operação plena esperada para meados de 2027, quando o projeto deverá atingir TRL 7, nível que representa domínio completo dos processos em escala pré-industrial.
Já Francisco Magalhães, especialista em desenvolvimento industrial do Senai Nacional, destacou que o projeto foi selecionado na primeira chamada de projetos estruturantes da Embrapii e do Senai, por sua relevância técnica e potencial de impacto. “Este projeto se mostra promissor para atender a toda a cadeia do setor automotivo. Ele consolida a capacidade do Brasil de integrar pesquisa, desenvolvimento industrial e mercado, criando bases sólidas para inovação e competitividade internacional”, afirmou.
Além dos protótipos, foram definidos parâmetros críticos de formulação de eletrodos, processos de calandragem, injeção de eletrólito e aging — etapas fundamentais para garantir consistência e segurança nos ciclos de carga e descarga.
Infraestrutura e parcerias internacionais
As obras da planta semi-industrial já estão em andamento, com a linha de produção projetada e os equipamentos em fabricação. A iniciativa também contratou consultoria internacional do instituto Fraunhofer ICT, da Alemanha, para realizar a Análise de Ciclo de Vida (ACV) segundo padrões ISO, alinhando o projeto às exigências globais de sustentabilidade.
Visitas técnicas a instituições como Y-TEC e UniLib (Argentina), ZSW, Universidade KIT e Fraunhofer FFB (Alemanha), e Sunté (China) reforçaram o intercâmbio de experiências e benchmarks internacionais.
O projeto tem como um de seus pilares a articulação entre institutos de pesquisa, empresas e mercado. Gustavo Sinzato, gerente de Soluções em Energia do CPQD, destacou: “Iniciativas como essa fortalecem a inovação, impulsionam o desenvolvimento de novos produtos e serviços e colocam o Brasil em posição mais relevante no cenário internacional.”
Vitor Fernandes, fundador da Voltpile, acrescentou: “O projeto é fundamental neste estágio inicial, permitindo que a Voltpile conheça os principais atores da cadeia nacional de baterias e identifique os pontos críticos no processo de produção de células. Nosso objetivo é mapear os gargalos existentes na transição da indústria de baterias convencionais para baterias de estado sólido.”
O mercado de baterias no Brasil e no mundo
O mercado global de baterias de íons-lítio é um dos mais estratégicos da atualidade, impulsionado pela transição energética, pela eletrificação da frota automotiva e pela demanda crescente por sistemas de armazenamento de energia. Segundo a BloombergNEF, a capacidade global de produção de baterias deve ultrapassar 9.000 GWh até 2030, com destaque para China, Estados Unidos, Europa e Coreia do Sul.
No Brasil, o setor ainda é incipiente. A maior parte das baterias utilizadas em veículos elétricos e sistemas de armazenamento é importada, principalmente da Ásia. A ausência de uma cadeia produtiva nacional limita a competitividade da indústria automotiva e de energia renovável, além de aumentar a dependência externa em um segmento considerado crítico para a segurança energética e industrial.
O Projeto Estruturante do Senai Paraná busca justamente preencher essa lacuna. Ao desenvolver tecnologia nacional, formar fornecedores locais e integrar pesquisa com produção, o Brasil se posiciona para disputar espaço nesse mercado bilionário.
Visão estratégica e próximos passos
Segundo Marcos Berton, pesquisador-chefe do ISI Eletroquímica, “o Projeto Estruturante reflete a maturidade organizacional e a resiliência das empresas envolvidas. As companhias participantes demonstram visão estratégica de longo prazo e capacidade de inovação, abrindo caminho para avanços significativos na produção nacional de baterias.”
Os próximos passos incluem o comissionamento da sala seca e dos equipamentos semi-industriais, a produção de células cilíndricas e prismáticas em ambiente pré-industrial, e a realização de novos ciclos de testes avançados de desempenho, além de análises de impacto ambiental e econômico.
Após a apresentação dos resultados, os participantes realizaram uma visita guiada ao Parque Tecnológico da Indústria, no Habitat Mobilidade, seguida de um tour pela obra da planta semi-industrial. O dia foi encerrado com um coquetel, celebrando o sucesso do primeiro estágio do projeto e reforçando a cooperação estratégica entre pesquisa, indústria e mercado.
Um marco para a indústria brasileira
O Projeto Estruturante de Baterias de Íons-Lítio representa um marco para a indústria brasileira. Ele não apenas avança na produção local de uma tecnologia crítica, como também fortalece a capacidade do país de competir globalmente em setores de alta complexidade. Ao unir ciência, engenharia, indústria e sustentabilidade, o Brasil começa a trilhar um caminho mais autônomo e inovador na transição energética.