A recente notícia do interesse do iFood pela Alelo sacudiu o mercado… de notícias. Pelo menos por enquanto, somente veículos de mídia se agitaram e a informação, que não é oficial para ambos os lados, tem sido garantida que está de pé, segundo fontes dos veículos.
Por trás do interesse na aquisição, uma estratégia bastante comum, a de verticalização, no caso com o iFood buscando estar no comando das ações desde o pedido de delivery até o pagamento, caso esse ou outro negócio similar aconteça.
Pelo que a GZM apurou, não há pressa nas conversas, mas o interesse é real. Os sócios da Alelo, Bradesco e BB, grandes investidores multissetoriais, naturalmente estarão sempre abertos à propostas e o iFood, pelo valor estimado do cheque, cerca de R$ 5 bilhões, tem o poder de compra.
Mas, enquanto o mercado aguarda a “fumaça baixar” para ver o foco real do negócio, vale explorar melhor a estratégia em jogo, a da verticalização, movimento que tem, muitas vezes, redefinido o cenário competitivo global trazendo novos contornos com movimentos de fusão e aquisição que buscam integrar a cadeia de valor, do fornecimento à venda.
O tema foi discutido em um artigo recente na MIT Sloan Management Review e ocorre quando uma empresa “adquire outras que atuam em fases diferentes da cadeia de produção, assumindo o controle de diferentes etapas”. Essa estratégia permite agilizar processos, reduzir burocracia e oferecer um conceito de “one-stop shop”, onde o cliente encontra todas as soluções em um único lugar.
A integração de diferentes etapas também pode levar a um maior controle de custos, permitindo que as empresas aproveitem economias de escala e reinvistam em melhorias.
Essa tendência, que busca ganhos de eficiência e maior controle operacional, pode ser exemplificada, num caso similar, por uma movimentação de mercado ocorrida recentemente na Inglaterra: a fusão da Zellis com a Benify.
No setor de tecnologia e benefícios, a fusão entre essas empresas ilustra essa busca por sinergia e escala global. No desenho da operação, a Zellis, um dos principais players em software de folha de pagamento no Reino Unido, adquiriu a Benify, líder em software de benefícios e engajamento de colaboradores.
A combinação criou um portfólio de serviços mais robusto e integrado, capaz de atender a uma gama maior de necessidades de seus clientes corporativos. A empresa, por sinal, é controlada por grandes fundos de investimentos globais, como o Mubadala, que está na lista da Zellis.
Alerta para o setor de restaurantes
No Brasil, o anúncio de uma possível união do iFood, líder em delivery, com a Alelo, uma das maiores empresas de vale-refeição e alimentação do país, tem o potencial de consolidar a presença da plataforma em toda a jornada de consumo, desde o pedido até o pagamento.
Fazendo uma análise desse novo cenário, e apesar do ponto de vista da empresa a medida fazer sentido, há quem veja problemas. Segundo Marcelo Marani, especialista em gestão gastronômica, por exemplo, essa movimentação acende um alerta entre os donos de restaurantes, especialmente os de pequeno e médio porte.
“Se o iFood controlar também os meios de pagamento, além do canal de vendas, o restaurante perde autonomia. Ele passa a depender da mesma empresa para vender, receber e se relacionar com o cliente”, afirma Marani. A preocupação é que essa concentração de poder possa aumentar a vulnerabilidade dos estabelecimentos, que já enfrentam taxas elevadas nas plataformas de entrega.
Marani argumenta que a possível fusão pode desequilibrar as negociações comerciais, com o iFood podendo “ditar as regras com ainda menos contrapeso”. O especialista alerta que a operação exige uma gestão mais profissional por parte dos empresários, com diversificação de canais de venda e investimento em fidelização própria, para evitar a perda de margem e poder de decisão.
Apesar dos benefícios potenciais da verticalização, como maior agilidade e controle de custos, os especialistas também apontam para seus desafios. Um dos maiores problemas é a dificuldade de regulação, que pode levar à formação de monopólios e à redução da concorrência, limitando as opções e a qualidade para o consumidor final.
No caso da anunciada intenção do iFood na Alelo, algo que, mesmo que saia, ainda precisaria de análise e aprovação pelo CADE, a aquisição serviria como um importante teste para avaliar como o Brasil pode lidar com os impactos concorrenciais dessa estratégia de dominar todas as pontas de uma cadeia.
Com um cenário complexo de relação de forças, como se vê, empresas podem pedir eficiência, mas o delivery final pode ser desde um tremendo imbróglio regulatório até uma rejeição dos clientes pela nova relação de poder.
Mesmo com essa intrincada equação na mesa, as apostas parecem estar sendo preparadas. Aliás, entregá-las, como se imagina, não será problema.