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Crise hídrica em São Paulo reacende impacto sobre a perda ambiental que pode afetar bilhões na economia

Estação de captação de água de Ibiúna. Foto: Divulgação/Governo de SP
Com reservatórios baixos em São Paulo, situação expõe o custo invisível da degradação ambiental, enquanto o governo corre para evitar o racionamento

Uma Indústria de bebidas localizada em Guarulhos viu sua produção despencar. A empresa, que dependia de 120 mil litros de água por dia para fabricar refrigerantes e sucos, foi surpreendida por uma queda abrupta no abastecimento. O Sistema Cantareira, responsável por parte do fornecimento à região, operava com menos de 30% da capacidade. A pressão da água foi reduzida por 12 horas diárias, e a empresa passou a operar em regime parcial.

Nos primeiros 30 dias, a produção caiu 40%. Em abril, a empresa demitiu 60 funcionários — quase metade do quadro. Em maio, os contratos com supermercados e distribuidores começaram a ser cancelados por falta de entrega. A empresa tentou recorrer a caminhões-pipa, mas os custos tornaram o negócio inviável. Poucos meses depois, após 22 anos de operação, a fábrica fechou as portas.

O impacto não foi apenas interno. Pequenos fornecedores de embalagens, rótulos e insumos perderam seus principais contratos. A estimativa é que o fechamento da fábrica gerou um efeito cascata que afetou mais de 300 empregos diretos e indiretos. E a crise hídrica, antes vista como um problema ambiental, se revelou uma ameaça econômica concreta.

São histórias como essa, ocorrida na crise de 2014, que ilustram o que está em jogo na nova crise hídrica de São Paulo — e como a degradação ambiental pode custar bilhões à economia. O governo, por enquanto, tenta evitar o racionamento, ainda com a memória da última crise na memória, para evitar o que os dados revelam: o preço da destruição dos ecossistemas parece invisível, mas suas consequências econômicas são bem reais.

O regime de chuvas é normalmente apontado como a causa da seca nos reservatórios, mas a degradação ambiental pode ser considerada o fator X que está por trás desse ciclo tão necessário aos ecossistemas. Dessa forma, essa degradação pode ser considerada não apenas uma tragédia ecológica — mas também uma grave ameaça econômica.

Na lista de ações de impacto estão fatos mais diretos, como a ocupação desordenada do entorno das represas de abastecimento, como a Billings e o Cantareira, no caso da capital paulista, e a poluição dos rios – com o Tietê ocupando o posto de um dos mais poluídos do mundo, até questões como um simples lixo urbano pelas ruas, a falta de reciclagem e compostagem de materiais e a supressão de áreas verdes nas regiões metropolitanas.

Um estudo da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), publicado na Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, trouxe um exemplo de impacto econômico dessa situação. O estudo revelou que a Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu, localizada no semiárido nordestino, perdeu 42% de seus corpos d’água entre 1989 e 2019. Essa transformação drástica resultou em uma queda de 24% no valor econômico dos serviços ecossistêmicos da região — o equivalente a mais de US$ 460 milhões, ou quase R$ 2,5 bilhões.

Apenas como referência, a Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu abriga aproximadamente 1.363.802 habitantes, distribuídos por 147 municípios, sendo 102 no estado da Paraíba e 45 no Rio Grande do Norte.

No caso das bacias da Região Metropolitana de São Paulo, os números alcançam outra proporção: são 22 milhões de pessoas divididas em 39 municípios, a maior aglomeração urbana do Brasil e uma das maiores do mundo. Pode-se imaginar, mesmo considerando todas as diferenças geográficas entre as duas bacias, que o valor da degradação em São Paulo facilmente alcançaria números muito maiores. 

Por isso, os dados do estudo são mais do que um alerta regional: é um espelho para outras bacias brasileiras, incluindo as que abastecem a maior metrópole do país. Assim, a nova crise hídrica em São Paulo pode reacender o debate sobre o impacto da degradação ambiental na segurança hídrica e no bolso dos brasileiros, o que é algo importante para gerar mobilização pela urgência de formulação de políticas públicas, especialmente as amparadas em dados científicos. 

Água de beber

A crise atual remete à questão da disponibilidade de água, mas há ainda outros aspectos a se considerar, como a qualidade e o acesso à ela. Vale lembrar que o Brasil, apesar dos graves problemas estruturais, possui a maior quantidade de água doce do mundo e mesmo apesar de avanços, principalmente após o Marco Legal do Saneamento, o país ainda enfrenta obstáculos no acesso à água tratada. Dados de 2023 divulgados pela Unicef e OMS indicam que 86% da população brasileira têm acesso à água potável, o que coloca o país na 85ª posição entre 137 países avaliados.

A água é considerada o recurso natural de maior importância para a existência dos seres vivos na Terra. Sem ela, nenhum humano, vegetal ou animal sobreviveria. Por isso, as grandes civilizações no passado se desenvolveram às margens de grandes rios e lagos.

No Brasil, apesar da abundância, o desafio é a má distribuição desse recurso natural ao longo do território, devido a maior parte da água (80%) estar localizada na bacia Amazônica, região que concentra apenas 5% da população brasileira.

“A qualidade da água garante mais qualidade de vida para as pessoas, seja nos centros urbanos ou no litoral. Com inovação, tecnologia e a aplicação de práticas ESG, é possível garantir a qualidade de vida para as futuras gerações”, salienta Vininha Carvalho, economista, ambientalista e editora da Revista Ecotour News & Negócios.

Crise hídrica em São Paulo: o cenário atual

Em meio aos riscos severos de impacto na população, o governo de São Paulo anunciou um plano de contingência para enfrentar a queda drástica nos níveis dos reservatórios. O Sistema Cantareira, por exemplo, principal fonte de abastecimento da capital, opera com níveis abaixo de 25% da capacidade, o menor desde a crise de 2014-2015.

Monitor dos reservatórios, acessado em 25 de outubro de 2025. Fonte: https://www.nivelaguasaopaulo.com/

Dessa forma, o Governo lançou um modelo de gestão hídrica “com objetivo de ampliar a resiliência do estado”. A iniciativa busca integrar tecnologia, governança e planejamento para evitar o racionamento e garantir segurança hídrica a longo prazo.

O modelo combina ações de monitoramento em tempo real, planejamento estratégico e articulação entre diferentes setores. A proposta foi detalhada durante o evento “Gestão Hídrica e Resiliência Climática”, realizado na última semana.

Entre os principais pilares do modelo estão:

  • Sistema de Gestão de Demanda Noturna (GDN): permite reduzir a pressão da água em horários específicos, com faixas de atuação que variam de 8h a 16h diárias, dependendo da gravidade da escassez.
  • Monitoramento contínuo dos reservatórios: com uso de sensores e inteligência artificial para prever cenários críticos e antecipar medidas de contenção.
  • Integração interinstitucional: articulação entre a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, a Sabesp, a Defesa Civil e o Comitê Estadual de Mudanças Climáticas.
  • Planejamento regionalizado: cada região do estado terá planos específicos de contingência, considerando suas características hídricas e climáticas.

O modelo também prevê ações educativas e campanhas de conscientização, com foco na redução do consumo e na valorização dos recursos naturais. A meta é transformar a gestão hídrica em uma política de Estado, capaz de resistir às variações climáticas e às pressões urbanas.

Segundo o governo, esse novo modelo é fruto de aprendizados da crise hídrica de 2014-2015 e das experiências recentes com estiagens prolongadas. A expectativa é que, com essa abordagem integrada, São Paulo possa evitar medidas extremas como o racionamento, mesmo em cenários de baixa pluviometria.

“Estamos reforçando a transparência sobre o sistema e traçando o planejamento, olhando o futuro, não só para o curto prazo, mas no longo e médio. Em 2023, estabelecemos dois eixos principais de estratégia para resiliência climática: o da mitigação e o da adaptação e resiliência. Isso tudo se baseia na transparência e governança bem estabelecida”, ressaltou a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), Natália Resende.

Essa iniciativa se conecta diretamente com os alertas sobre os impactos da degradação ambiental, como os observados na Bacia do Piancó-Piranhas-Açu. A gestão hídrica eficiente depende da preservação dos ecossistemas e da recuperação das áreas degradadas — sem isso, a conta da degradação continuará a crescer.

Quanto à pesquisa da Ufersa, ela identificou 17 tipos de serviços ecossistêmicos prestados pela Bacia do Piancó-Piranhas-Açu que foram severamente afetadas e que podem ser comparáveis à danos causados em outras regiões, inclusive em São Paulo:

  • Regulação do clima e das chuvas
  • Manutenção da fertilidade do solo
  • Fornecimento de água
  • Produção de alimentos
  • Controle da erosão
  • Recarga de aquíferos
  • Lazer e turismo ligados à paisagem natural

A principal razão para a queda, no caso da bacia nordestina, foi a perda de áreas de água, que concentram o maior valor por hectare. “O curso da água com o passar do tempo vai reduzindo, foi uma das coisas que a gente percebeu, porque a malha urbana adentra o espaço do curso d’água”, alertou a pesquisadora e engenheira civil Izabele Gusmão, autora do estudo.

A última crise: bilhões em emergência e atrito federativo

A crise hídrica de 2014-2015 em São Paulo foi severa, mas provavelmente percebida como algo apenas circunstancial pela maioria das pessoas. O Sistema Cantareira chegou a operar com menos de 10% da capacidade, obrigando o governo estadual a investir mais de R$ 5 bilhões em obras emergenciais, como interligações entre sistemas e perfuração de poços profundos.

O episódio também gerou tensões com o governo do Rio de Janeiro, quando São Paulo considerou a captação de água do Rio Paraíba do Sul — uma medida que poderia comprometer o abastecimento da capital fluminense. O atrito levou à judicialização e à intervenção da Agência Nacional de Águas (ANA), que mediou um acordo entre os estados.

A degradação em outras bacias brasileiras

Casos similares ao da Bacia do Piancó-Piranhas-Açu se multiplicam:

  • A Bacia do Rio Xingu, na Amazônia, sofre com a perda de qualidade da água devido ao desmatamento para expansão agropecuária.
  • As bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, no interior paulista, apresentaram queda nos índices de sustentabilidade, especialmente nas dimensões de hidrologia e política pública.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), quase dois terços das bacias hidrográficas globais enfrentaram excesso ou escassez de água em 2024, o ano mais quente já registrado.

O que está em jogo

A escassez hídrica, como se imagina, compromete aocmesmo tempo a produção agrícola e o abastecimento humano. Na Bacia do Piancó-Piranhas-Açu, os principais usos da água são para irrigação (64,8%), aquicultura (24%), consumo humano (8%) e pecuária (1,7%).

E sem políticas públicas voltadas à restauração de áreas degradadas e à gestão integrada da terra e da água, a perda econômica e ambiental tende a se aprofundar, ameaçando a segurança hídrica e alimentar de milhões de brasileiros.

A urgência de integrar meio ambiente e economia

Como se vê, a nova crise hídrica em São Paulo não é apenas um problema climático — é também o reflexo de décadas de degradação ambiental. O caso da Bacia do Piancó-Piranhas-Açu mostra que a perda de recursos naturais gera prejuízos bilionários, mesmo em regiões com vegetação aparentemente preservada.

E como se percebe, a conta da degradação está chegando, e ela não se paga apenas com obras emergenciais. Especialistas indicam que é preciso urgentemente  reconectar a política hídrica com a política ambiental, restaurar ecossistemas, proteger mananciais e investir em educação ambiental para evitar que o colapso se torne o que pode estar se tornando – uma rotina. Até que a fonte, finalmente, seque. 

Vídeo da campanha promovida do Governo do Estado de São Paulo

Se quiser acessar o estudo mencionado nesta matéria, ele está disponível neste link: https://repositorio.ufersa.edu.br/server/api/core/bitstreams/cbe47990-07e4-476a-8572-6dac4d94845e/content

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