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Engenharia automotiva no Brasil: além da produção

Prof. Dr. Marcelo A L Alves - Docente no Departamento de Engenharia Mecânica - Escola Politécnica da USP - Coordenador do Centro de Engenharia Automotiva

A indústria automotiva brasileira vive um momento de reflexão. Tradicionalmente ancorada na produção local de veículos, surge a questão: a engenharia do setor precisa estar necessariamente vinculada às fábricas instaladas no país? A experiência recente mostra que o Brasil reúne competências técnicas capazes de sustentar atividades de desenvolvimento, mesmo diante da redução do parque fabril. Trata-se de uma transição que abre oportunidades, mas também impõe desafios, sobretudo em relação ao emprego e à formação profissional.

Desde a chegada das montadoras estrangeiras, nos anos 1950, a engenharia automotiva brasileira ganhou maturidade. Hoje, segundo a ANFAVEA, o setor responde por 1,3 milhão de empregos diretos e indiretos e produziu 2,55 milhões de veículos em 2024, mantendo o Brasil como o oitavo maior produtor mundial. Essa base industrial foi decisiva para o desenvolvimento de competências em simulação, prototipagem e testes, que sustentam a capacidade de inovação.

O caso da Ford ilustra esse movimento. Mesmo após encerrar a produção no país em 2021, com a demissão de aproximadamente 5 mil funcionários, a empresa manteve e ampliou suas operações de engenharia. Em Tatuí (SP), segue ativo o campo de provas e, em 2022, foram contratados 500 engenheiros adicionais para projetos globais. Hoje, cerca de um terço das funcionalidades embarcadas em veículos Ford no mundo é desenvolvido no Brasil. O exemplo demonstra que serviços de engenharia podem prosperar sem a presença de linhas de montagem.

O mercado global reforça essa tendência. Em 2024, os serviços de engenharia automotiva foram avaliados em US$ 201 bilhões, com projeção de chegar a US$ 219 bilhões em 2025. No Brasil, atividades como desenvolvimento de software para sistemas embarcados, simulação computacional e testes podem ser exportadas, gerando receita e ampliando a relevância do país na cadeia global de valor. A transição para veículos elétricos e conectados é mais uma frente em que o conhecimento local poderia se destacar.

Entretanto, a saída de fábricas implica em perdas importantes. Em 2024, a indústria criou 100 mil vagas na cadeia automotiva, reflexo de um crescimento de 9,7% na produção. A descontinuidade de linhas de montagem compromete a rede de fornecedores e afeta empregos em escala, já que serviços técnicos absorvem um contingente muito menor de profissionais, em geral engenheiros especializados, e não operários fabris.

Diante desse cenário, a preparação de profissionais para atuação global torna-se prioridade. Tecnologias como eletrificação e condução autônoma, ainda pouco presentes no mercado brasileiro, já são demandadas internacionalmente. Projeções indicam que em 2025 a produção local pode alcançar 2,75 milhões de unidades, mas a diversificação em serviços de engenharia amplia as alternativas de inserção do Brasil na indústria automotiva mundial.

Um ponto de atenção é o desinteresse crescente pela formação em engenharia. Entre 2014 e 2023, houve queda de 23% no número de calouros, e estima-se um déficit de 75 mil profissionais na área. Sem medidas de estímulo, o país corre o risco de desperdiçar oportunidades na exportação de serviços de engenharia, enfraquecendo sua posição no setor e agravando desafios sociais e econômicos. Parcerias entre universidades e indústrias, incentivos à formação e programas de internacionalização podem contribuir para reverter essa tendência.

O futuro da engenharia automotiva no Brasil não depende apenas da manutenção de fábricas. Está em jogo a capacidade de transformar conhecimento em soluções aplicáveis a um setor em rápida transformação. Valorizar a formação e direcionar investimentos para áreas estratégicas pode garantir que o país continue a ser um polo de inovação, mesmo em um cenário global cada vez mais competitivo.

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