A Amazônia Legal vive uma realidade climática cada vez mais crítica. Segundo pesquisa da Umane e da Vital Strategies, 32% dos moradores da região já sentem impactos diretos do aquecimento global, número que sobe para 42% entre povos e comunidades tradicionais. O calor extremo, as secas prolongadas e a fumaça no ar deixaram de ser previsão: viraram rotina. A pesquisa foi divulgada também pelo Correio Braziliense e pela Veja.
A situação é tão grave que até um Aedes aegypti pálido — algo como um mosquito albino — foi identificado no Amapá, conforme estudo do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA), publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. O clima muda, e os vetores das doenças estão sempre em vantagem, como alertam os cientistas. A descoberta reforça a urgência de investimentos em vigilância entomológica e saúde pública.
E enquanto a ciência aponta caminhos para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, a implementação depende de recursos. E é nesse contexto que surgem os títulos e fundos sustentáveis, instrumentos financeiros que canalizam capital para projetos com impacto ambiental e social positivo.
Segundo o Tesouro Nacional, os títulos sustentáveis são instrumentos de dívida pública lastreados em programações orçamentárias voltadas ao desenvolvimento sustentável. O Brasil lançou em 2023 seu primeiro título soberano sustentável, com recursos destinados a projetos nas áreas de educação, saúde, meio ambiente e inclusão social.
A ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) publicou um guia com boas práticas para emissão desses títulos, destacando a importância de frameworks claros, avaliação independente e transparência na alocação dos recursos.
No mercado privado, os green bonds (títulos verdes) têm ganhado força. Eles financiam projetos como energia renovável, eficiência energética, gestão de resíduos e conservação da biodiversidade. Em 2024, o mercado brasileiro de títulos sustentáveis movimentou cerca de R$ 100 bilhões, segundo dados da Exame.
Exemplos no Brasil e no mundo
- Tesouro Nacional (Brasil): Emissão de títulos sustentáveis com foco em projetos sociais e ambientais.
- BNDES: Fundo Clima e linhas de crédito para projetos de baixo carbono.
- Banco Mundial: Emissão de green bonds desde 2008, com mais de US$ 18 bilhões captados.
- BlackRock: Gestão de fundos ESG com foco em empresas com boas práticas ambientais, sociais e de governança.
- Itaú Asset Management: Fundos de investimento com critérios ESG e impacto positivo.
- Suzano: Emissão de sustainability-linked bonds atrelados a metas ambientais.
Avaliação dos instrumentos
Esses mecanismos têm se mostrado eficazes para atrair capital privado e público para a agenda climática. Além de financiar soluções já conhecidas, como reflorestamento e energia solar, também apoiam pesquisas inovadoras — como o monitoramento de vetores de doenças na Amazônia ou tecnologias de captura de carbono no oceano.
“Os títulos sustentáveis são uma ponte entre a política pública e o mercado financeiro. Eles permitem que o investidor contribua diretamente para a transformação socioambiental”, afirma Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional, em entrevista recente ao portal G1.
COP 30: uma chance de destravar ações
A próxima edicação Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), representa uma oportunidade histórica para o Brasil. A expectativa é que o evento acelere a regulamentação de instrumentos financeiros verdes, atraia investimentos internacionais e fortaleça a governança climática.
“O Brasil tem tudo para liderar a transição verde global. A COP 30 será o palco para mostrar que desenvolvimento e sustentabilidade podem caminhar juntos”, declarou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, em coletiva oficial.
No campo das ações práticas, a lista de instrumentos de financiamento climático se dividem em categorias técnicas que refletem seus objetivos e critérios de elegibilidade. Segundo o Guia da ANBIMA para Ofertas de Títulos Sustentáveis, os principais tipos são:
- Green Bonds (Títulos Verdes): voltados exclusivamente para projetos ambientais, como energia renovável, transporte limpo e gestão de resíduos.
- Social Bonds (Títulos Sociais): financiam iniciativas com impacto social, como educação, saúde e habitação.
- Sustainability Bonds: combinam objetivos ambientais e sociais.
- Sustainability-Linked Bonds: atrelados a metas de desempenho ESG, como redução de emissões ou aumento de diversidade.
No Brasil, o Tesouro Nacional lançou em 2023 o primeiro título soberano sustentável, com base no Arcabouço Brasileiro para Títulos Soberanos Sustentáveis. O documento define critérios de elegibilidade, exige relatórios de alocação e impacto, e recomenda avaliação externa por consultorias independentes.
Panorama regulatório e desafios no Brasil
A regulação dos títulos sustentáveis no Brasil tem avançado, mas ainda enfrenta obstáculos. O Guia de Dívida Sustentável da FEBRABAN destaca a necessidade de padronização, transparência e combate ao greenwashing. Apesar dos desafios, um estudo da Tauil & Chequer Advogados aponta que o país liderou a emissão de debêntures verdes em 2024, com R$ 94,5 bilhões em valor total.
Entre os desafios citados estão a falta de integração entre políticas públicas e mercado financeiro, dificuldade de mensuração de impacto, baixa educação financeira sobre produtos ESG e necessidade de harmonização com padrões internacionais, como os da ICMA e Climate Bonds Initiative.
Especialistas têm declarado otimismo com as emissões, mas com cautela baseada nos pontos de atenção. Para Luzia Hirata, gerente ESG do Santander Asset Management, “o investidor quer saber se o impacto é real. Transparência e rastreabilidade são fundamentais”. Já para Carlos Takahashi, chairman da BlackRock Brasil, “a demanda por fundos sustentáveis cresce, mas ainda é preciso ampliar a oferta e melhorar a comunicação com o público”.
Se o movimento romper as barreiras como se espera, o financiamento climático pode gerar impactos significativos no PIB brasileiro. O Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, por exemplo, projeta elevar o PIB em 0,4 ponto percentual até 2030, com incremento acumulado de US$ 70 bilhões, enquanto, a FGV estima que tecnologias sustentáveis no agro podem adicionar até R$ 94,8 bilhões por ano ao PIB até 2030.
Essas projeções reforçam que o financiamento climático não é apenas uma resposta à crise ambiental, mas também uma alavanca para o desenvolvimento econômico.
Análise GZM: O desafio do financiamento climático e a urgência da consciência coletiva
O financiamento climático já é uma realidade como ferramenta promissora para viabilizar a transição para uma economia de baixo carbono com a criação de títulos verdes, fundos sustentáveis e instrumentos híbridos mostrando que o mercado está disposto a investir em soluções que conciliem retorno financeiro e impacto ambiental. No entanto, o caminho ainda é permeado por desafios estruturais, culturais e políticos.
De um lado, há uma crescente sofisticação dos mecanismos financeiros e uma demanda real por ativos sustentáveis. De outro, persiste a dificuldade de transformar essa demanda em escala suficiente para enfrentar a magnitude da crise climática. A COP 30 pode ser o ponto de inflexão necessário para destravar investimentos, alinhar políticas públicas e atrair capital internacional.
Mas nenhum instrumento financeiro será suficiente se não houver um alinhamento mais profundo entre sociedade, ciência e poder público. A pesquisa da Umane e da Vital Strategies mostra que os impactos das mudanças climáticas já são sentidos por um terço da população amazônida. Ainda assim, parte significativa da sociedade global segue negando ou relativizando os alertas da ciência.
As oportunidades de negócio geradas pelo financiamento climático são reais, crescentes e estratégicas. Mas elas só se concretizarão plenamente se acompanhadas de uma mudança de mentalidade coletiva. É preciso reconhecer que o tempo da negação passou. O tempo agora é de ação — com base em evidências, com responsabilidade intergeracional e com coragem para transformar o sistema.
Como escreveram num artigo exclusivo para a GZM publicado hoje em conjunto com esta matéria as especialistas da BDO no Brasil Viviene Bauer, sócia de auditoria e sustentabilidade, e Luana Favery, gerente de sustentabilidade: “O Brasil tem diante de si a oportunidade de mostrar ao mundo que é possível ser uma potência econômica e, ao mesmo tempo, liderar com autoridade a agenda climática global. Esse caminho, embora desafiador, exige um esforço coordenado entre o setor público, o setor privado e a sociedade civil”. (acesse o artigo aqui)
A COP 30 será mais do que uma conferência: será um teste de maturidade para o Brasil e para o mundo. E o mercado, a ciência e a sociedade civil já deram o primeiro passo. Cabe agora aos governos e aos investidores acelerarem o ritmo. Porque, como mostram os dados da Amazônia, o futuro já começou — e ele está em jogo.