O financiamento habitacional no Brasil acaba de passar por uma das reformas mais significativas dos últimos anos. Anunciadas pelo governo federal, as mudanças no Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) prometem ampliar o acesso à casa própria, especialmente para a classe média, e impulsionar o setor da construção civil.
A principal novidade é a elevação do teto do SFH de R$ 1,5 milhão para R$ 2,25 milhões — uma correção que acompanha a valorização dos imóveis nas principais cidades brasileiras e devolve dinamismo a um público que vinha sendo gradualmente excluído das linhas tradicionais de crédito. Além disso, a Caixa Econômica Federal volta a financiar até 80% do valor dos imóveis, reduzindo a exigência de entrada e facilitando a aquisição.
Segundo o presidente da Caixa, Carlos Vieira, “essas medidas representam um avanço na democratização do crédito imobiliário. A classe média volta a ter protagonismo nas políticas habitacionais, com mais previsibilidade e condições reais de compra.” O banco estima que cerca de 80 mil novos contratos devem ser viabilizados ainda neste ciclo, movimentando mais de R$ 35 bilhões na economia.
O ministro das Cidades, Jader Filho, também celebrou a iniciativa: “Estamos corrigindo uma distorção que afastava milhares de famílias do sonho da casa própria. Com o novo teto e a ampliação do SBPE, o setor da construção civil será reativado, gerando empregos e fortalecendo a economia local.”
As causas da mudança estão diretamente ligadas à defasagem do SFH frente ao mercado imobiliário. Com imóveis cada vez mais valorizados, especialmente em regiões metropolitanas, o limite anterior de R$ 1,5 milhão já não atendia boa parte da demanda da classe média. A alteração também decorre da nova regra de direcionamento da poupança, que permitirá um incremento estimado de R$ 40 bilhões no orçamento destinado ao financiamento habitacional pelo SBPE nos próximos dois anos.
Para especialistas, o impacto será sentido em toda a cadeia produtiva. Incorporadoras devem ajustar suas ofertas, bancos devem ampliar suas linhas de crédito e consumidores terão mais opções competitivas. O momento é visto como uma oportunidade concreta de inclusão financeira e retomada do crescimento no setor.
Perfil Habitacional no Brasil: desafios e tendências
O perfil habitacional brasileiro é marcado por contrastes regionais, desigualdade de renda e uma demanda crescente por moradia adequada. Segundo dados da Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional no país ultrapassa 5,8 milhões de domicílios, concentrando-se principalmente em áreas urbanas e entre famílias de baixa e média renda.
A classe média, em especial, enfrenta dificuldades para acessar imóveis compatíveis com seu padrão de vida. Com a valorização dos preços nos grandes centros e o encolhimento das linhas de crédito tradicionais, muitos brasileiros passaram a recorrer a financiamentos mais caros ou a imóveis em regiões periféricas. A elevação do teto do SFH e a ampliação do SBPE vêm justamente para reequilibrar esse cenário, devolvendo poder de compra a um público historicamente espremido entre oferta limitada e crédito restrito.
Além disso, o envelhecimento da população e o aumento de famílias unipessoais têm gerado novas demandas por imóveis menores, bem localizados e com infraestrutura urbana. O mercado começa a se adaptar a essas tendências, mas ainda há um longo caminho para garantir moradia digna e acessível para todos os perfis.
Programas de Crédito Habitacional: avanços e limitações
Ao longo das últimas décadas, o Brasil lançou diversos programas de crédito habitacional com foco na inclusão social e no estímulo à construção civil. O mais emblemático foi o Minha Casa, Minha Vida, criado em 2009, que financiou milhões de moradias para famílias de baixa renda com subsídios e taxas reduzidas. Em 2023, o programa foi reformulado e relançado como Minha Casa, Minha Vida 2.0, com novas faixas de renda e foco em sustentabilidade.
Outras iniciativas incluem o Casa Verde e Amarela, voltado à regularização fundiária e melhoria habitacional, e as linhas de crédito do FGTS, que oferecem condições especiais para trabalhadores formais. No entanto, esses programas costumam atender majoritariamente famílias com renda até R$ 8 mil mensais, deixando a classe média tradicional fora do escopo.
Com as novas medidas anunciadas em 2025 — como o aumento do teto do SFH e a flexibilização do SBPE — o governo busca preencher essa lacuna, oferecendo alternativas mais robustas para quem não se enquadra nos programas sociais, mas também não consegue acessar o crédito de mercado com facilidade.
Visão do mercado
Em entrevista à GZM, Antonio Setin, fundador e presidente da Setin Incorporadora, avaliou que as mudanças anunciadas pelo governo representam uma oportunidade concreta de retomada para o setor imobiliário. Segundo ele, o aumento do limite financiável e o retorno de condições mais acessíveis tendem a destravar projetos, acelerar decisões de compra e estimular empreendimentos voltados à classe média urbana.
“O mercado vinha operando com restrições que afastavam boa parte da demanda. Agora, com maior previsibilidade, prazos estendidos e custos em linha com o mercado, o ambiente de negócios se torna mais favorável para empresas e consumidores”, afirmou Setin.
Para o executivo, a ampliação da capacidade de aquisição das famílias reforça o papel do setor como motor de crescimento e geração de empregos. “A classe média volta a ter protagonismo, e isso deve se refletir em novos lançamentos, mais dinamismo nas vendas e maior circulação de recursos na economia”, completou.
A visão do empresário reforça o otimismo que começa a se desenhar entre incorporadoras, construtoras e agentes financeiros. Com as novas regras, o crédito habitacional ganha fôlego e pode inaugurar um novo ciclo de expansão — mais inclusivo, competitivo e alinhado às necessidades reais da população urbana.
Confira a seguir a entrevista completa com Antonio Setin, fundador e presidente da Setin Incorporadora:
GZM: Como você avalia o impacto imediato da elevação do teto do SFH sobre os lançamentos imobiliários?
Antonio Setin: Na minha visão, essa medida chega em um momento oportuno e tem potencial para gerar um estímulo direto e perceptível para os lançamentos. Ao elevar o teto do Sistema Financeiro de Habitação, abre-se um universo maior de compradores que podem recorrer ao crédito habitacional mais acessível, o que naturalmente leva as incorporadoras a revisitar seus portfólios e planos de lançamento.
Mas esse deve ser encarado apenas como o início de um movimento para incentivar a classe média a poder comprar seu imóvel, uma vez que ainda estamos com juros em um patamar muito alto (12%+TR). Enquanto a Selic não cair para um dígito, o mercado imobiliário não volta a ser saudável.
GZM: A medida pode influenciar o comportamento de compra da classe média? De que forma?
Antonio Setin: Sem dúvida. A classe média vem sendo impactada pelos custos elevados de financiamento, pelas taxas de juros altíssimas ou pelas restrições de crédito – muitas vezes adiando ou até desistindo do sonho da casa própria. Com a elevação do teto do SFH, essa faixa de renda passa a enxergar novas oportunidades: imóveis com financiamento mais amplo, menor necessidade de entrada ou condições de pagamento mais favoráveis.
Isso pode transformar a fórmula de decisão – o comprador deixa de pensar apenas em “esperar mais tempo” e passa a considerar “agir agora”. Para as incorporadoras, significa um primeiro sinal para avaliar o desenvolvimento de produtos mais acessíveis, como unidades menores ou com novas soluções construtivas, ou mesmo flexibilizar cronogramas de pagamento para alcançar esse novo perfil. Em última instância, representa novas perspectivas de acesso ao imóvel para uma fatia da classe média, que volta a acreditar que pode entrar no mercado com segurança.
GZM: Quais regiões ou segmentos do mercado devem sentir os efeitos mais rapidamente?
Antonio Setin: Há dois eixos claros aqui. Primeiro, as regiões metropolitanas com boa infraestrutura de transporte, porém onde ainda existem terrenos ou imóveis de padrão acessível. Nesses locais, os lançamentos devem vir antes, porque a demanda da classe média concentra-se ali. Segundo, o segmento de médio padrão – ou “médio-acessível” – será o mais impactado por ter unidades com metragem moderada, boa localização, acabamento eficiente e custo controlado.
Em bairros periféricos ou cidades-satélite, nas quais o custo da terra é menor, provavelmente veremos uma reação rápida. Já para o alto padrão ou regiões de luxo, o impacto será mais diluído, pois dependem de outros estímulos além do crédito habitacional. Então, espero que lançamentos de médio porte, em regiões urbanas com conectividade, ganhem tração primeiro.
GZM: Como as incorporadoras estão se preparando para esse novo ciclo de crédito mais acessível?
Antonio Setin: As incorporadoras devem passar a analisar estrategicamente projetos que se enquadrariam nesses novos parâmetros de crédito habitacional, aproveitando as oportunidades criadas pelas mudanças regulatórias. Muitas já utilizam plataformas tecnológicas para agilizar a análise de crédito e reduzir a burocracia, facilitando a aprovação dos financiamentos pelos clientes.
O novo modelo de crédito habitacional do governo federal amplia a oferta de crédito e beneficia especialmente a classe média, o que exige que o mercado revise suas estratégias e se posicione de forma mais competitiva. Essas ações demonstram que as incorporadoras devem ajustar suas estratégias de maneira proativa, mas ainda com cautela, buscando aproveitar as novas condições de financiamento. No entanto, é preciso que elas sejam acompanhadas pela redução dos juros para que possam atender às expectativas da classe média de maneira mais ampla.
GZM: Você acredita que essa mudança pode influenciar também os preços dos imóveis no médio prazo?
Antonio Setin: Sim, acredito que haverá impacto no médio/longo prazo, mas com algumas ressalvas. Quando mais pessoas têm acesso ao crédito, a demanda aumenta, o que tende a pressionar os preços para cima, especialmente nas faixas de produto mais afetadas. Contudo, existem dois fatores que podem moderar esse movimento.
O primeiro é que, se a oferta de imóveis novos não acompanhar o crescimento da demanda, haverá maior pressão sobre os preços. Por outro lado, se as incorporadoras anteciparem lançamentos e disponibilizarem mais produtos, essa pressão tende a ser amortecida.
O segundo fator é que o custo de construção, a disponibilidade de terrenos, a regulação urbana e as taxas de juros mais elevadas para o restante do mercado também influenciam a intensidade desse ajuste de preço.
Para nós, o importante é que esse movimento seja sustentável, a fim de permitir que os imóveis continuem acessíveis para quem está entrando agora, sem gerar uma escalada insustentável no mercado.