A LATAM Airlines anunciou neste final de setembro a compra de 24 aeronaves E195-E2 da Embraer, com opção de adquirir outras 50 unidades no futuro. Avaliado em cerca de US$ 2,1 bilhões, o negócio representa um dos maiores movimentos recentes da aviação comercial na América do Sul e pode transformar significativamente a experiência dos passageiros, a malha aérea regional e a eficiência operacional da companhia.
A entrega dos novos jatos está prevista para começar no segundo semestre de 2026. Com isso, a LATAM pretende ampliar sua presença em rotas de menor demanda — mas de alta relevância estratégica — conectando cidades brasileiras e destinos regionais que hoje têm oferta limitada de voos diretos.
Conectividade regional: uma aposta estratégica
A aquisição dos E195-E2 reforça uma tendência crescente no setor aéreo: o fortalecimento da conectividade regional. Com capacidade para até 146 passageiros, os jatos da Embraer são ideais para rotas de média densidade, especialmente em aeroportos com infraestrutura limitada ou em mercados que não justificam o uso de aeronaves maiores como o Airbus A320.
Segundo dados da ANAC, cerca de 70% dos aeroportos brasileiros operam com baixa frequência de voos comerciais regulares. A chegada dos E195-E2 pode ajudar a preencher essa lacuna, oferecendo mais opções de horários e destinos para passageiros em regiões menos atendidas.
“A nova frota da Embraer pode aprimorar a experiência dos passageiros em vários aspectos. Os E195-E2 são conhecidos por oferecerem um voo mais silencioso, com menor emissão de ruído na cabine e vibração reduzida. A aeronave também conta com assentos mais confortáveis e janelas maiores, proporcionando um ambiente de cabine mais agradável”, afirma Marcial Sá, advogado do Godke Advogados e mestre em Direito Aeronáutico.
Eficiência e impacto no preço das passagens
Além da conectividade, os novos jatos prometem ganhos operacionais relevantes. O E195-E2 consome cerca de 25% menos combustível em comparação com modelos anteriores, o que pode reduzir custos e emissões de carbono — um ponto cada vez mais valorizado por companhias e passageiros.
“A eficiência operacional da aeronave pode se refletir em passagens aéreas mais acessíveis a longo prazo, contribuindo para a democratização do transporte aéreo”, acrescenta Sá.
No entanto, o impacto no preço das passagens ainda é incerto. Rodrigo Alvim, advogado especialista em Direito do Passageiro Aéreo, pondera que “essa compra gera custos para a companhia, o que pode, embora não necessariamente, levar ao aumento do preço das passagens”.
Modernização da frota e ajustes operacionais
A chegada dos E195-E2 exigirá adaptações na estrutura da LATAM. A companhia terá que revisar sua malha aérea, treinar pilotos e equipes de manutenção, e ajustar suas bases operacionais para acomodar os novos modelos.
“Esses aviões são ideais para rotas de média e alta densidade, o que pode otimizar a operação da companhia, especialmente em aeroportos regionais. A empresa também precisará ajustar sua base de manutenção para incluir os novos aviões”, explica Sá.
Além disso, há impactos jurídicos relevantes. “A chegada de um novo modelo de aeronave exige aditamentos e revisões em diversos contratos já em vigor. Oficinas, fornecedores, aeroportos e até cláusulas trabalhistas precisam ser atualizadas para atender às exigências técnicas e operacionais do E2”, afirma o especialista.

O que envolve juridicamente a compra de aeronaves?
A operação entre LATAM e Embraer é regida por um contrato complexo, conhecido como Aircraft Purchase Agreement (APA). “Não é um simples recibo de compra. O contrato detalha o modelo, número de série, configuração técnica, preço em dólares e os chamados progress payments, que são pagamentos atrelados a marcos de produção”, explica Sá.
O contrato também define garantias, cláusulas de entrega e aceitação — momento em que a propriedade e o risco sobre a aeronave são transferidos — e penalidades por atraso. “Essas penalidades são chamadas de liquidated damages e funcionam como multas diárias ou semanais. Além disso, há cláusulas de força maior, que isentam as partes em casos como guerras ou pandemias”, complementa.
Leasing, financiamento e regulação
Dado o alto custo das aeronaves, a compra é geralmente viabilizada por leasing ou financiamento. “No leasing operacional, a LATAM paga um aluguel e devolve a aeronave ao final. No leasing financeiro, ela paga parcelas e pode adquirir o avião por valor residual. Ambos exigem registro no RAB e seguem o Protocolo da Cidade do Cabo, que garante segurança jurídica a credores internacionais”, explica Sá.
Para incorporar os novos jatos à frota, a LATAM precisará de autorizações da ANAC. “O processo envolve o Certificado de Matrícula, o Certificado de Aeronavegabilidade e a atualização do Certificado de Operador Aéreo, conforme os Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil”, detalha.
Como a Embraer detém tecnologia sensível, o contrato inclui cláusulas de confidencialidade e proteção de propriedade intelectual. “A LATAM adquire apenas o direito de uso e manutenção. Patentes, softwares e know-how continuam sob domínio da Embraer”, afirma Sá.
Em caso de litígio, o caminho preferencial é a arbitragem. “É mais rápida, especializada e confidencial. Os contratos costumam eleger leis como a de Nova York ou a inglesa, o que confere previsibilidade e segurança jurídica”, conclui.

E os direitos dos passageiros?
A introdução de novos modelos na malha aérea também exige atenção à experiência do consumidor. “Falhas operacionais ou atrasos relacionados à incorporação de novas aeronaves configuram fortuito interno. A companhia aérea responde por quaisquer danos decorrentes dessa situação”, afirma Rodrigo Alvim.
Sobre a responsabilidade civil, ele reforça: “A companhia tem o dever de zelar pelo bom funcionamento da aeronave e por suas condições de voo. Ela responde por quaisquer danos causados, independentemente de culpa, inclusive em casos de acidente aéreo”.
Quanto a incentivos fiscais, Alvim aponta que “pode haver benefícios como alíquota zero de IPI ou isenções específicas para navios e peças, o que deve ser avaliado conforme a operação”.
O que muda para o passageiro?
- Mais opções de voos: cidades com pouca oferta poderão ganhar novas rotas e horários.
- Mais conforto: cabine silenciosa, assentos ergonômicos e janelas maiores.
- Mais eficiência: menor consumo de combustível pode reduzir custos operacionais.
- Mais sustentabilidade: aeronaves com menor impacto ambiental.
- Mais segurança jurídica: contratos e regulações garantem previsibilidade e proteção.
Confira a seguir a conversa na íntegra da GZM com os especialistas que participaram desta matéria, Marcial Sá, advogado do Godke Advogados e mestre em Direito Aeronáutico, e Rodrigo Alvim, advogado especialista em Direito do Passageiro Aéreo. Confira:
GZM: Quais são os principais elementos contratuais que regem uma operação de compra de aeronaves entre uma companhia aérea e um fabricante como a Embraer?
Marcial Sá: Um contrato de compra e venda de aeronaves — conhecido como Aircraft Purchase Agreement (APA) — não é um simples recibo de compra. No caso da LATAM e da Embraer, ele se baseia tanto em princípios de Direito Contratual Internacional quanto no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86), naquilo que couber à parte brasileira. O objeto central do contrato é a aeronave em si, identificada pelo modelo, número de série e configuração técnica detalhada.
O preço é quase sempre estipulado em dólares, pago de forma parcelada e atrelada a marcos de produção, os chamados progress payments. Outro ponto-chave é a entrega e aceitação, momento em que a propriedade e o risco sobre a aeronave são transferidos. O contrato também define garantias, assegurando que o fabricante se responsabiliza pela aeronave, motores e sistemas.
GZM: Que tipos de cláusulas são comuns em contratos de aquisição de aeronaves, especialmente em relação a prazos de entrega, penalidades e especificações técnicas? – Marcial Sá: Para reduzir riscos, contratos desse tipo incluem cláusulas específicas. Os prazos de entrega, por exemplo, são acompanhados de penalidades conhecidas como liquidated damages, que funcionam como uma multa diária ou semanal paga em caso de atraso. As especificações técnicas descrevem minuciosamente a aeronave — desde o layout interno até o alcance de voo — e qualquer alteração precisa ser formalizada. Além disso, há sempre a previsão de eventos de força maior, que isentam as partes de responsabilidade por atrasos causados por guerras, pandemias ou desastres naturais, nos termos do conceito de caso fortuito ou força maior do Código Civil Brasileiro.
GZM: Como funcionam os contratos de leasing ou financiamento de aeronaves no Brasil e quais são os riscos jurídicos associados a essas modalidades?
Marcial Sá: Considerando o custo elevado de cada aeronave, a aquisição raramente é feita com recursos próprios. No mercado, predominam duas modalidades. No leasing operacional, a LATAM paga um aluguel pelo uso da aeronave e a devolve ao final do contrato, cabendo ao proprietário o risco de obsolescência. Já no leasing financeiro, a dinâmica se assemelha a um financiamento: a companhia paga parcelas e, ao fim, pode adquirir a aeronave por um valor residual.
Em qualquer dos casos, há exigências jurídicas, como o registro da aeronave no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB), administrado pela ANAC. Em operações internacionais, aplica-se também o Protocolo da Cidade do Cabo, tratado que padroniza garantias sobre equipamentos móveis, como aeronaves e motores, oferecendo segurança a credores internacionais e, por consequência, barateando o crédito.
GZM: A LATAM precisará de autorizações específicas da ANAC ou de outros órgãos reguladores para incorporar os E195-E2 à sua frota? Quais são os trâmites legais envolvidos?
Marcial Sá: Para incorporar os novos E195-E2, a LATAM precisa de autorizações da Agência Nacional de Aviação Civil. O processo passa pela emissão do Certificado de Matrícula, que registra a propriedade da aeronave no RAB, e do Certificado de Aeronavegabilidade, que atesta as condições de segurança do avião. Além disso, a empresa deve comprovar que seu Certificado de Operador Aéreo está atualizado, incluindo manuais e procedimentos que permitam operar o novo modelo. Todo esse processo é regulamentado pelos Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil (RBAC), que detalham os requisitos para certificação de aeronaves e operações aéreas.
GZM: A chegada de novos modelos exige adaptações contratuais com fornecedores, aeroportos ou prestadores de serviços? Quais são os impactos jurídicos dessas mudanças? Marcial Sá: A chegada de um novo modelo de aeronave não impacta apenas o contrato de compra. Ela exige aditamentos e revisões em diversos contratos já em vigor. A área de manutenção, por exemplo, precisa adequar oficinas e fornecedores para treinar equipes e estocar peças específicas do E2. No abastecimento de combustível e no ground support, pode ser necessário renegociar com aeroportos. E até mesmo nos contratos trabalhistas há reflexos: a Lei do Aeronauta (Lei nº 13.475/17) exige que pilotos e comissários recebam treinamento específico para operar a nova aeronave, o que pode alterar jornadas e cláusulas coletivas.
GZM: Quais são os direitos dos passageiros em caso de falhas operacionais ou atrasos relacionados à introdução de novas aeronaves na malha aérea?
Rodrigo Alvim: A falha operacional, o atraso relacionado ao voo na malha aérea, configura responsabilidade da companhia aérea, caracterizando o que se denomina fortuito interno. Portanto, a companhia responde por quaisquer danos decorrentes dessa situação.
GZM: Como a legislação brasileira trata a responsabilidade civil da companhia aérea em relação à segurança e manutenção de aeronaves recém-adquiridas?
Rodrigo Alvim: Em relação à responsabilidade civil da companhia aérea, no que diz respeito à segurança e manutenção das aeronaves, a premissa é a mesma aplicada a qualquer aeronave. A companhia tem o dever de zelar pelo bom funcionamento da aeronave e por suas condições de voo. Ela responde por quaisquer danos causados, independentemente de culpa, em casos de atraso, cancelamento ou, na pior das hipóteses, em caso de acidente aéreo, inclusive por fatalidades. Contudo, a ocorrência de problemas em aeronaves novas é menos provável.
GZM: A compra de aeronaves fabricadas no Brasil por uma companhia nacional como a LATAM envolve algum tipo de incentivo fiscal ou benefício jurídico?
Rodrigo Alvim: Sobre a aquisição de aeronaves por uma companhia nacional, como a Latam, e os possíveis incentivos fiscais ou benefícios jurídicos aplicáveis, é algo a ser avaliado. Por exemplo, pode haver desconto de IPI, inclusive com alíquota zero, ou isenção para navios e peças.
GZM: Quais são os cuidados jurídicos que a LATAM deve tomar ao negociar cláusulas de confidencialidade, propriedade intelectual e transferência de tecnologia com a Embraer?
Marcial Sá: Como a Embraer detém tecnologia sensível, o contrato precisa assegurar a proteção desses ativos. Cláusulas de confidencialidade (NDA) delimitam o que é informação sigilosa, estabelecem prazos de sigilo e preveem penalidades em caso de quebra. A propriedade intelectual continua sendo da Embraer: patentes, softwares e know-how não são transferidos. A LATAM adquire apenas o direito de uso e a possibilidade de realizar manutenções, sem violar direitos de Propriedade Intelectual (PI).
GZM: Em caso de litígio entre fabricante e companhia aérea, quais são os mecanismos jurídicos mais utilizados para resolução de conflitos em contratos aeronáuticos internacionais?
Marcial Sá: Em caso de litígio, como um defeito estrutural grave, o meio preferencial de resolução costuma ser a arbitragem. Essa prática é comum em contratos internacionais por ser mais rápida, especializada e confidencial. Os contratos normalmente elegem uma lei aplicável — muitas vezes a de Nova York ou a inglesa — e uma jurisdição específica, conforme o Direito Internacional Privado. Isso confere previsibilidade e segurança em operações de alto valor, reduzindo incertezas sobre como eventuais disputas seriam julgadas.
No fim, a aquisição das aeronaves Embraer pela LATAM vai muito além da dimensão comercial: ela representa um verdadeiro exercício de Direito Contratual e Regulatório Aeronáutico, revelando a complexidade e a sofisticação que envolvem cada etapa da operação.