A previdência social brasileira vive um paradoxo estrutural. Embora o país conte com mais de 14 milhões de microempreendedores individuais (MEIs) e milhões de autônomos e trabalhadores informais, a cobertura previdenciária entre esses grupos segue baixa e irregular. A ausência de vínculo empregatício formal, somada à instabilidade de renda e à falta de informação, contribui para um cenário de vulnerabilidade que afeta não apenas os indivíduos, mas toda a sociedade.
“Há um Brasil que trabalha muito e dorme pouco, e que, mesmo assim, chega à velhice com a proteção social por um fio”, alerta Devanir Silva, diretor-presidente da Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar, a Abrapp. “Essa energia empreendedora é motivo de orgulho. O que não pode é virar sinônimo de insegurança quando a renda diminui ou o corpo já não acompanha.”
Os entraves que afastam milhões da proteção
Entre os principais obstáculos à inclusão previdenciária apurados pela equipe da GZM estão:
- Complexidade dos processos de contribuição, especialmente para autônomos fora do regime simplificado do MEI.
- Custo percebido das contribuições, que competem com despesas imediatas em contextos de renda instável.
- Falta de orientação clara sobre direitos e deveres previdenciários, o que leva à inadimplência e evasão.
- Desigualdade de acesso, que acentua a vulnerabilidade de milhões de brasileiros sem qualquer rede de proteção social.
O que diz a legislação para quem é MEI
De acordo com as regras vigentes, o MEI que realiza o pagamento mensal do DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional) tem direito a uma série de benefícios previdenciários, desde que cumpra os requisitos de carência e mantenha a qualidade de segurado. Entre os principais benefícios estão:
| Benefício | Requisitos principais |
| Aposentadoria por idade | Mulheres aos 62 anos, homens aos 65, com tempo mínimo de contribuição (15 a 20 anos) |
| Auxílio por incapacidade | 12 meses de contribuição, salvo em casos de acidente ou doenças específicas |
| Salário-maternidade | Garantido por 120 dias em casos de parto, adoção ou guarda judicial |
| Pensão por morte e auxílio | Concedidos aos dependentes, com regras específicas de carência e duração |
A qualidade de segurado é mantida por até 12 meses após a última contribuição, reforçando a importância da regularidade nos pagamentos.
Impactos diretos e colaterais da lacuna previdenciária
A ausência de cobertura previdenciária não é apenas um risco individual — é um problema sistêmico. Trabalhadores sem proteção ficam expostos a situações extremas, como perda de renda por doença ou acidente, sem qualquer amparo. Isso compromete o futuro de famílias inteiras e sobrecarrega a assistência social pública.
Os efeitos colaterais incluem:
- Aumento da desigualdade social, com perpetuação de ciclos de pobreza.
- Pressão sobre os cofres públicos, via programas de assistência social.
- Redução da produtividade, com idosos trabalhando em condições precárias.
- Erosão do pacto intergeracional, que sustenta o sistema previdenciário.
- Desestímulo à formalização, por percepção de custo elevado e burocracia.
Previdência complementar como alternativa viável
Segundo Devanir Silva, o país já dispõe de instrumentos capazes de oferecer uma proteção mais estável a esse público. “Entre eles, as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) representam uma alternativa com atributos relevantes: são sem fins lucrativos, funcionam com regras de governança compartilhada, devolvem resultados aos próprios planos e operam em horizontes de longo prazo.”
Ele defende que planos instituídos por associações, sindicatos, cooperativas e conselhos profissionais podem ser moldados para realidades específicas — de motoristas de aplicativo a ambulantes, de manicures a produtores rurais — com contribuições mínimas, aportes variáveis e adesão digital. “A vida de quem depende de contratos intermitentes, de renda sazonal ou do próprio CNPJ exige soluções desenhadas sob medida, e não modelos pensados apenas para carreiras formais e lineares.”
Caminhos para a solução
Especialistas defendem uma abordagem integrada para enfrentar o problema:
- Simplificação dos mecanismos de adesão e contribuição, especialmente para informais e autônomos.
- Campanhas de educação previdenciária, com foco em planejamento de longo prazo.
- Incentivos fiscais e sociais, que estimulem a formalização e a regularidade nos pagamentos.
- Ampliação de canais de atendimento e orientação, com linguagem acessível e foco regional.
Devanir Silva conclui com um alerta: “O Brasil pode continuar celebrando o empreendedorismo e fingindo surpresa a cada nova crise de renda na maturidade, ou pode usar os instrumentos já disponíveis, com regras claras e instituições sólidas, para transformar trajetórias fragmentadas em percursos mais estáveis.”

Confira artigo “O Brasil vai esperar a próxima crise de renda na velhice“, de Devanir Silva, neste link.