Desde 2022 o Brasil conta com um Marco Legal dos Criptoativos (Lei 14.478/2022) que estabeleceu diretrizes básicas para o setor. Essa lei deu ao Banco Central (BC) competência para regulamentar as prestadoras de serviços ativos virtuais (PSAV), em inglês ‘virtual asset service provider’ (VASPs) e à CVM para tratar dos demais tokens.
Em linhas gerais, foram criadas três categorias de VASPs (intermediárias, custodiante e corretora) e exigidas medidas de segurança como a segregação patrimonial dos ativos dos clientes e a “travel rule” para rastrear transações.
Segundo advogados do Pinheiro Neto, a nova regulação foi pensada para ser um “catalisador de crescimento” do mercado, desde que não seja excessivamente restritiva. É importante notar que a legislação brasileira define que apenas o real tem curso legal no País. Ou seja, embora as criptomoedas (como o Bitcoin) e as stablecoins (USDC, USDT) possam servir como meio de pagamento digital, elas não são reconhecidas como moeda oficial, mas sim como ativos privados a serem regulados dentro desse marco jurídico.
Consultas Públicas do Banco Central
Em 2024 o Banco Central lançou três consultas públicas (CP 109, 110 e 111) para detalhar esse marco regulatório. As CPs 109 e 110 (vencimento em 7/2/2025) tratam da constituição, organização e funcionamento das VASPs no Brasil. Já a CP 111 (até 28/2/2025) trata das operações no mercado de câmbio envolvendo criptoativos.
Nessa proposta, empresas autorizadas poderão realizar pagamentos ou remessas internacionais exclusivamente com criptoativos, sem conversão prévia em moeda fiduciária. Isso inclui, por exemplo, a compra, venda, troca ou custódia de stablecoins denominadas em reais por não residentes, e stablecoins em moeda estrangeira. Cada transação terá limite de valor: US$ 100 mil por operação no caso das VASPs e US$ 500 mil para corretoras e distribuidoras tradicionais autorizadas.
Para a sócia Tatiana Guazzelli (Pinheiro Neto), essa regulação ampliará segurança jurídica e atrairá mais investidores ao mercado de criptoativos. Segundo ela, a transparência e o rigor do novo arcabouço serão essenciais para consolidar o setor, mas é crucial que as empresas participem ativamente das consultas. Assim, os agentes podem sugerir ajustes (como prazos mais longos de adaptação) para que as regras finais sejam equilibradas e compatíveis com a inovação.
Classificação de Stablecoins e de Criptoativos
No Brasil, stablecoins são entendidas como tokens digitais referenciados a outros ativos (moedas fiduciárias, commodities ou tokens virtuais), que permitem ao seu detentor resgatar o ativo de referência em paridade 1:1. Essa característica faz com que sejam muito menos voláteis do que criptomoedas não lastreadas. Porém, como só o real é moeda de curso legal, stablecoins não são reconhecidas pelo ordenamento como moeda oficial, mas sim como criptoativos.
A CVM ressalta que não há classificação fixa para esses ativos: um mesmo criptoativo pode ser considerado token utilitário, criptomoeda (token de pagamento) ou até valor mobiliário, dependendo de suas funções e estrutura.Em outras palavras, uma stablecoin pode atuar como moeda eletrônica para pagamentos ou, em outra situação, ser enquadrada como título de investimento, conforme o caso.
Na prática, já se identificam três grandes tipos de stablecoins: (i) lastreadas em moeda fiduciária (como USDC e USDT, lastreadas em dólar), emitidas por uma entidade central e resgatáveis 1:1; (ii) algorítmicas, cuja paridade é mantida por mecanismos automatizados internos; e (iii) privadas ou institucionais, criadas por empresas ou bancos para uso interno (por exemplo, o “JPM Coin” do JP Morgan). Cada formato carrega diferentes riscos (contraparte, tecnologia, governança), mas todos deverão ser contemplados pela regulação em andamento, dentro das regras cambiais brasileiras.
Cenário Internacional – Gênius Act nos EUA
O Brasil avança na regulação no momento em que outros países também atuam: nos EUA, em julho de 2025 foi sancionado o GENIUS Act (Guiding and Establishing National Innovation for U.S. Stablecoins Act), o primeiro marco federal específico para stablecoins. Essa lei exige que todas as stablecoins tenham 100% de lastro em dólares ou títulos do Tesouro americano, além de obrigar divulgações periódicas das reservas e aplicar normas rígidas de compliance (incluindo regras anti-lavagem de dinheiro).
Com isso, o governo norte-americano busca dar maior confiança e legalidade a esses tokens, impulsionando seu uso como meio de pagamento. Em nota oficial, a Casa Branca observa que a iniciativa aumentará a demanda por títulos do Tesouro e reforçará a posição do dólar como moeda global de reserva.
De forma geral, o Genius Act visa legitimar as stablecoins, integrando-as ao sistema financeiro, assim como o Brasil busca fazer ao regulamentar o mercado de ativos digitais.