Carregando...

Menos autoridade, mais cultivo: provocações do pai moderno para o líder moderno

Por Bianca Aichinger, ex-executiva, coach e sócia-proprietária da Quantum Development.

O mundo muda. E, com ele, mudam também os papéis que ocupamos – na vida, na família, nos negócios. Basta olhar para a transformação que a paternidade vem atravessando nas últimas décadas. O velho modelo do pai provedor, distante, focado em garantir segurança e estabilidade, dá espaço, aos poucos, a uma nova configuração. Um pai mais presente, mais colaborativo, que não carrega sozinho o peso do sustento, nem centraliza o papel de decidir tudo. Um pai que cuida, sim, mas que entende que cuidado não é controle, e que preparar é mais importante do que proteger.

Curiosamente, essa mesma transição acontece silenciosamente no universo das empresas familiares. O líder que esse novo mundo pede não é muito diferente do pai que esse novo mundo desperta. Há, no entanto, um elemento que, muitas vezes, não é dito. Essa transição não é leve. Ela tem um custo emocional real. E esse custo pesa, especialmente, sobre aqueles líderes que pertencem a uma geração anterior, moldada por um contexto onde estabilidade, previsibilidade e controle não eram apenas escolhas, mas estratégias de sobrevivência.

Para muitos desses líderes – fundadores ou sucessores diretos de quem fundou a empresa – sua identidade foi moldada a partir da ideia de que liderar é proteger, decidir, centralizar, garantir que nada saia dos trilhos. Foram anos, décadas, operando a partir deste modelo mental. E não foi à toa. Esse modelo fez sentido.

Ele os trouxe até aqui. Abandoná-lo, de uma hora para outra, não é só sobre mudar práticas de gestão. É sobre questionar a própria identidade. É sobre olhar no espelho e se perguntar: se eu não sou mais aquele que resolve tudo, que sustenta tudo, que segura tudo, então quem eu sou?

É nesse exato ponto que a dor aparece. Porque o mundo que se desenha hoje – mais complexo, mais ágil, menos previsível – não permite mais que uma única pessoa concentre respostas, decisões e poder. O mercado não permite, as equipes não aceitam, as novas gerações não se engajam.O corpo também não sustenta mais. É como se o universo dissesse, de forma silenciosa, que chegou a hora de fazer diferente.

Mas fazer diferente não é simples. É fácil, de fora, dizer que esses líderes precisam confiar mais, delegar, abrir espaço. Na prática, essa entrega toca em medos muito legítimos. O medo de que, ao soltar as rédeas, o negócio se perca. O medo de que os filhos, os sucessores, os sócios, os times não estejam prontos. O medo, mais íntimo e menos dito, de não ser mais necessário. De se tornar irrelevante.

Esse desconforto se intensifica quando a nova geração chega com outras prioridades. Onde antes havia sacrifício como valor central, agora há busca por equilíbrio. Onde antes a centralização fazia sentido, agora surgem modelos colaborativos, horizontais, liderança compartilhada. E, para quem passou a vida acreditando que sucesso é trabalhar sem parar, ouvir que "a vida não é só trabalho" soa quase como uma ofensa, uma ameaça, um golpe.

Neste lugar instável e ambíguo da transição, a proteção se torna uma armadilha perigosa. Assim como o pai que tenta evitar que o filho erre, mas, sem perceber, impede que ele cresça, o líder que segura demais não percebe que, na tentativa de preservar, está, na verdade, limitando. E é aqui que uma pergunta poderosa se impõe: proteger de quem e do quê, exatamente? Do mundo? Dos erros? Ou, no fundo, do desconforto de vê-los caminhar sem precisar mais tanto de nós?

Quando esse olhar se amplia, algo começa a se reorganizar. A tarefa já não é mais proteger. É preparar. É desenvolver. É educar. É construir pontes entre aquilo que foi e aquilo que precisa ser. É sair do papel de executor absoluto e assumir, com coragem e humildade, o papel de mentor. De quem compartilha, orienta, ensina. E, sobretudo, permite. Permite que o novo chegue, mesmo que ele não tenha exatamente a sua cara.

Claro, essa mudança não acontece da noite para o dia. Ela exige atravessar lutos invisíveis. O luto do controle. O luto da certeza. O luto da identidade baseada no fazer, no resolver, no garantir. E, no lugar disso, nasce uma nova identidade: a de quem cultiva, como um jardineiro com seu jardim. De quem percebe que o legado não está só no patrimônio, nem nos processos, nem nas paredes da empresa. Está, sobretudo, na capacidade de quem vem depois de sustentar, transformar e reinventar o que foi construído.

No fundo, a vida, os negócios e as famílias empurram seus homens para a mesma pergunta. Que tipo de pai você quer ser? Que tipo de líder você quer ser? E, talvez mais essencial do que isso, que tipo de pessoa você precisa se tornar para que aquilo que você construiu continue vivo, mesmo sem você?

Compartilhe nas redes:

Boletim por E-mail

GZM NEWS

Cadastre seu e-mail e receba nossos informativos e promoções.

publicidade

Recentes da GZM

Mais sessões