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Mercado de aluguel no Brasil: concentração, alta de preços e o desafio da concorrência

Com preços em alta e concentração crescente, setor de locação residencial no Brasil exige novas respostas para garantir acesso, concorrência e equilíbrio urbano

O mercado de locação residencial no Brasil vive uma transformação estrutural que vai muito além da simples valorização dos imóveis. É o que revela o estudo “Do QuintoAndar ao topo: reestruturação do mercado de locação brasileiro via plataformas”, do pesquisador Lucas Meirelles Toledo Ramos Batista, que mostra como o setor está se tornando cada vez mais concentrado, com crescimento acelerado dos preços e mudanças profundas no perfil dos locatários e dos agentes econômicos envolvidos. A pesquisa, que analisa dados de diversas capitais e regiões metropolitanas, aponta para uma reorganização do mercado que pode comprometer a concorrência e dificultar o acesso à moradia urbana para milhões de brasileiros.

“O aluguel deixou de ser uma alternativa temporária e passou a ser uma realidade permanente para milhões de brasileiros”, afirma o pesquisador, que atua na da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Segundo ele, o crescimento da demanda por locação, impulsionado por fatores econômicos, demográficos e culturais, está sendo acompanhado por uma profissionalização da oferta, com maior presença de fundos imobiliários, plataformas digitais e empresas de gestão patrimonial.

Este cenário levanta questões relevantes sobre o futuro do mercado imobiliário, o papel do Estado na regulação do setor e os impactos sociais da concentração de ativos residenciais em mãos de poucos grupos econômicos.

Preços em alta: o novo patamar do aluguel urbano

O estudo mostra que os preços dos aluguéis residenciais subiram acima da inflação em diversas capitais brasileiras nos últimos dois anos. Em São Paulo, por exemplo, o valor médio do aluguel de um apartamento de dois dormitórios aumentou 18,7% entre 2023 e 2025, enquanto o IPCA acumulado no mesmo período foi de 9,4%. Em Belo Horizonte, o crescimento foi de 16,2%, e em Florianópolis, 15,9%.

Essa valorização não é homogênea. Regiões centrais e bairros com boa infraestrutura urbana — como acesso a transporte público, comércio, serviços e segurança — são os que mais encareceram. Já áreas periféricas mantêm valores mais estáveis, mas enfrentam escassez de oferta e menor atratividade para investidores.

“O mercado está se tornando menos acessível para famílias de renda média e baixa, especialmente em zonas urbanas consolidadas”, alerta Batista. Ele destaca que o aluguel passou a consumir uma parcela significativa da renda familiar, especialmente entre os jovens e os trabalhadores informais.

A ascensão dos grandes players: fundos, plataformas e gestão patrimonial

Um dos pontos centrais do estudo é o crescimento da participação de grandes grupos no mercado de locação. Fundos de investimento imobiliário (FIIs), empresas de gestão patrimonial e plataformas digitais como QuintoAndar, Loft, Yuca e Housi vêm ampliando sua atuação, adquirindo imóveis em escala e oferecendo serviços integrados de administração, manutenção e cobrança.

Essa profissionalização traz vantagens como maior transparência, padronização de contratos, uso de tecnologia para agilizar processos e redução de inadimplência. No entanto, também levanta preocupações sobre a concorrência e a diversidade da oferta.

“Há uma tendência de oligopolização em segmentos específicos, como imóveis de alto padrão e localizações privilegiadas. Isso pode reduzir a diversidade de oferta e limitar a negociação direta entre locador e locatário”, aponta o estudo.

A atuação desses grupos é marcada por estratégias de aquisição em massa, padronização de ativos e uso intensivo de dados para precificação dinâmica. Em alguns bairros de São Paulo, por exemplo, mais de 40% dos imóveis disponíveis para locação pertencem a apenas três empresas.

Perfil dos locatários: juventude, mobilidade e flexibilidade

O levantamento também traça o perfil dos locatários brasileiros. A maior parte tem entre 25 e 45 anos, vive em núcleos familiares pequenos (casais sem filhos ou pessoas solteiras) e busca imóveis próximos ao trabalho ou com boa conexão de transporte público. Há crescimento na demanda por imóveis mobiliados, contratos flexíveis e serviços agregados, como manutenção, limpeza e segurança.

A digitalização do processo de locação — desde a busca até a assinatura do contrato — tem sido um diferencial competitivo. Plataformas que oferecem análise de crédito instantânea, seguro-fiança, atendimento remoto e gestão automatizada estão ganhando espaço, especialmente entre jovens, profissionais autônomos e nômades digitais. “O novo locatário valoriza a experiência, a praticidade e a previsibilidade. Ele quer morar bem, sem burocracia e com liberdade para mudar quando quiser”, afirma o pesquisador.

Impacto na concorrência e desafios regulatórios

A concentração de mercado e a profissionalização da oferta trazem desafios regulatórios. O estudo sugere que o poder público precisa acompanhar a evolução do setor para evitar práticas abusivas, garantir o equilíbrio entre os interesses dos locadores e dos locatários e preservar a concorrência. “A regulação precisa ser atualizada para lidar com novos modelos de negócio e proteger o consumidor em um ambiente cada vez mais automatizado e concentrado”, afirma Batista.

Entre as propostas sugeridas estão:

  • Criação de indicadores públicos de concentração de mercado por bairro e cidade
  • Estímulo à concorrência por meio de incentivos fiscais a pequenos locadores
  • Fortalecimento dos mecanismos de mediação e arbitragem em conflitos locatícios
  • Revisão da Lei do Inquilinato para contemplar contratos digitais e modelos flexíveis
  • Monitoramento da atuação de plataformas digitais e fundos imobiliários

Panorama do mercado de aluguéis no Brasil

O estudo apresenta um panorama abrangente do mercado de locações residenciais no Brasil, com destaque para os seguintes pontos:

1. Demanda crescente: Impulsionada por mudanças demográficas (envelhecimento da população, redução do tamanho das famílias), mobilidade urbana, dificuldade de acesso ao crédito imobiliário e valorização da flexibilidade.

2. Oferta profissionalizada: Com maior presença de empresas e fundos que operam em escala, oferecendo serviços integrados e padronizados.

3. Preços em alta: Especialmente em regiões centrais e bairros valorizados, com impacto direto na renda das famílias.

4. Concorrência em risco: Com tendência de concentração e redução da diversidade de oferta, especialmente em segmentos de alto padrão.

5. Digitalização acelerada: Com plataformas que oferecem soluções completas para locação, desde a busca até a gestão do contrato.

6. Regulação defasada: Com necessidade de atualização para lidar com novos modelos de negócio e proteger os consumidores.

Inadimplência em alta: alerta para a sustentabilidade do mercado de locações

A inadimplência no mercado de aluguéis voltou a subir em julho de 2025, com destaque para o estado de São Paulo, que registrou a maior taxa dos últimos 21 meses: 3,29%, ante 3,22% no mês anterior. O dado, divulgado pelo Índice de Inadimplência Locatícia da Superlógica, acende um sinal de alerta para imobiliárias, investidores e gestores patrimoniais, especialmente em um cenário de juros elevados e inflação persistente.

Embora o índice paulista permaneça abaixo da média nacional — que foi de 3,76% no período — o aumento, ainda que discreto, é considerado significativo por especialistas. “Apesar da alta na inadimplência em julho, São Paulo mantém uma taxa abaixo da média nacional, o que demonstra certa resiliência do mercado local. Ainda assim, o aumento, mesmo discreto, reforça que os desafios econômicos persistem e que é essencial seguir atento à evolução dos indicadores macroeconômicos, como inflação e juros, que impactam diretamente a capacidade de pagamento das famílias”, afirmou Manoel Gonçalves, Diretor de Negócios para Imobiliárias do Grupo Superlógica, durante o Next 2025, maior evento do setor de moradia do país.

Ranking regional: Nordeste lidera, Sul mantém estabilidade

O levantamento da Superlógica, que analisa dados anonimizados de mais de 900 mil clientes, revela um cenário heterogêneo entre as regiões brasileiras:

  • Nordeste: lidera o ranking com 4,91% de inadimplência
  • Centro-Oeste: teve o maior salto, de 3,78% para 4,68%
  • Norte: aparece com 4,48%
  • Sudeste: registra 3,51%, abaixo da média nacional
  • Sul: mantém a menor taxa do país, com 3,19%

A disparidade regional reflete não apenas diferenças econômicas, mas também variações na estrutura de oferta, perfil dos locatários e políticas de cobrança adotadas pelas imobiliárias locais.

Tipos de imóveis: comerciais e faixas extremas concentram inadimplência

A inadimplência também varia conforme o tipo e a faixa de valor dos imóveis. No Sudeste, apartamentos tiveram aumento de inadimplência de 2,09% para 2,68%, ainda abaixo da média nacional de 2,73%. Já as casas apresentaram leve queda, de 3,91% para 3,78%, também inferior à média nacional de 4,02%.

Os imóveis comerciais, por outro lado, continuam sendo os mais vulneráveis. No Sudeste, a taxa subiu para 4,80%, acima dos 4,70% do mês anterior. Nacionalmente, a inadimplência comercial chegou a 5,03%.

As faixas de valor também revelam padrões preocupantes:

  • Residenciais acima de R$ 13.000: inadimplência de 6,83%
  • Residenciais até R$ 1.000: subiu de 5,79% para 6,14%
  • Faixas intermediárias (R$ 2.000 a R$ 5.000): mantêm taxas mais baixas, entre 2,36% e 2,37%

No segmento comercial, imóveis de até R$ 1.000 registraram a maior taxa: 7,98%, com crescimento de 0,50 ponto percentual em relação a junho. A menor inadimplência foi observada na faixa de R$ 2.000 a R$ 3.000, com 4,22%.

Implicações para o mercado e para a concorrência

O aumento da inadimplência, especialmente nas faixas de menor valor e nos imóveis comerciais, pode comprometer a sustentabilidade do mercado de locações. Para os grandes players — como fundos imobiliários e plataformas digitais —, o risco é diluído por escala e tecnologia de gestão. Já para pequenos locadores e imobiliárias tradicionais, o impacto pode ser direto na rentabilidade e na capacidade de reinvestimento.

Além disso, a inadimplência elevada pode gerar distorções na concorrência. Empresas com maior capacidade de absorver perdas tendem a consolidar ainda mais sua presença, enquanto operadores menores enfrentam dificuldades para manter seus ativos em operação.

A tendência reforça a necessidade de políticas públicas voltadas à proteção do locatário vulnerável, à diversificação da oferta e à criação de mecanismos de mitigação de risco — como seguros locatícios acessíveis e programas de renegociação.

Comparações internacionais: o Brasil no contexto global

O estudo também compara o mercado brasileiro com experiências internacionais. Em países como Alemanha, França e Japão, o aluguel é a principal forma de moradia urbana, com forte regulação estatal, subsídios públicos e presença de cooperativas habitacionais.

Nos Estados Unidos, o mercado é dominado por grandes grupos e fundos, com forte atuação de plataformas digitais e contratos flexíveis. Já na América Latina, países como Chile e México enfrentam desafios semelhantes ao Brasil, com concentração de ativos, valorização acelerada e baixa regulação.

“O Brasil precisa decidir que tipo de mercado de aluguel quer construir: um modelo concentrado e voltado ao lucro, ou um sistema equilibrado, acessível e socialmente justo”, conclui o autor.

Análise GZM: o futuro do aluguel no Brasil

O mercado de aluguel no Brasil está em transição e a combinação de alta demanda, profissionalização da oferta e concentração de capital estão redesenhando as regras do jogo. Para os consumidores, isso pode significar mais eficiência e serviços, mas também menos espaço para negociação e maior pressão sobre os preços.

A concorrência saudável e a regulação adequada serão fundamentais para garantir que o aluguel continue sendo uma alternativa viável e justa para milhões de brasileiros. O desafio está lançado: construir um mercado de locação que seja ao mesmo tempo moderno, competitivo e inclusivo.

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