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Na Rede Cuidare, preconceito virou combustível para o sucesso

Criador e sua "criatura", Etevaldo na sede da sua Rede Cuidare. Modelo escalável é aposta da empresa.
Fundador da rede, Etevaldo Miranda, diz que transformou preconceito linguístico em sua força para construir uma das maiores franquias de cuidados do Brasil

O que começou como uma ideia para suprir a carência de cuidadores profissionais em Natal, capital do RN, se transformou, em pouco mais de uma década, em uma das maiores redes de franquias de saúde do país. 

À frente da Cuidare Brasil, o empresário Etevaldo Miranda superou barreiras geográficas e o preconceito linguístico para construir um negócio que hoje fatura mais de R$ 120 milhões por ano e está presente em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal.

Criada em 2013, a Cuidare nasceu com o propósito de oferecer atendimento humanizado e profissionalizado a idosos, em um momento em que o Brasil começava a sentir os efeitos do envelhecimento populacional. “O mercado era dominado pela informalidade. Havia espaço para um serviço com qualidade, responsabilidade e respeito aos pacientes”, explica Miranda

Escalabilidade e modelo enxuto

A proposta da Cuidare, depois de implantada, se mostrou rapidamente escalável. Com um modelo de franquia enxuto, sem necessidade de grandes estruturas físicas, a empresa conseguiu expandir com agilidade. Em apenas três anos, a rede já operava em diversas regiões do país.

Mas o crescimento não foi isento de desafios. Ao tentar expandir para o Sudeste, Etevaldo enfrentou um obstáculo inesperado: o preconceito com seu sotaque nordestino. “As pessoas perguntavam de onde eu era, questionavam o DDD do meu telefone. Sentia que meu trabalho era colocado em dúvida só por falar diferente”, relembra.

A solução foi pragmática: contratou uma consultoria paulista para intermediar as vendas. E os resultados foram imediatos. “Eles venderam em um mês o que eu levei quatro para conseguir”, conta. Ainda assim, Etevaldo resistiu à pressão de “neutralizar” sua fala. “Não era sobre a qualidade da franquia, era sobre de onde eu vinha.”

Nordeste em ascensão

A história de Etevaldo pode refletir uma realidade mais ampla: o dinamismo do empreendedorismo nordestino. Segundo dados do Sebrae, apenas no primeiro trimestre de 2025, mais de 236 mil novas empresas foram abertas na região, que também se destaca como polo de inovação e tecnologia, atrás apenas do Sudeste.

Para o fundador da Cuidare, é hora de o Brasil rever seus filtros. “O país precisa parar de enxergar o Nordeste apenas como consumidor de soluções e começar a reconhecê-lo como produtor de conhecimento, inovação e negócios sólidos”, afirma.

E o caso de Etevaldo expõe um tema pouco debatido no mundo dos negócios: o preconceito linguístico como obstáculo à mobilidade empreendedora. Em um país de dimensões continentais e diversidade cultural, a padronização da fala ainda é, muitas vezes, confundida com competência.

No caso da Cuidare, a superação dessa barreira, no entanto, não se deu pela adaptação ao padrão dominante, mas pela força do modelo de negócio e pela resiliência do empreendedor. E a trajetória da rede mostra que, quando o produto é sólido e o propósito é claro, o sotaque pode até ser notado — mas não impede o sucesso.

Para saber mais detalhes de sua jornada nos negócios, a GZM conversou com Miranda. Confira: 

GZM: Como o preconceito linguístico impactou suas decisões estratégicas no início da expansão?

Miranda: Demorei cerca de seis meses para perceber que o meu sotaque e o DDD 84 estavam, de fato, interferindo nos resultados da empresa. No início da expansão, em quase todas as ligações de interessados que recebia, surgiam perguntas como: “De onde é esse DDD 84?” ou “A matriz da empresa fica em qual cidade?”. 

À primeira vista, parecia curiosidade, mas logo percebi que havia um viés — uma espécie de filtro inconsciente que colocava em dúvida a credibilidade do negócio, simplesmente por ele estar fora do eixo Sudeste.

Foi quando entendi que aquilo não era um detalhe, mas uma barreira real, que impactava diretamente as decisões estratégicas. Decidi agir: pesquisei dez empresas que vendiam franquias, entrei em contato com todas e fechei com uma de São José do Rio Preto. Disse claramente ao consultor: “O que eu preciso é que você crie e tenha DDD 11.” Ele achou graça, mas a verdade é que, no segundo mês, ele vendeu mais do que eu tinha vendido em seis.

Esse episódio me marcou porque me mostrou como o preconceito linguístico vai muito além do pessoal — ele influencia acesso a oportunidades, performance comercial e até decisões de branding. Naquele momento, precisei terceirizar a voz da empresa para ganhar tração. Mas hoje, com mais maturidade, entendo o valor de ocupar esse espaço com autenticidade e de falar sobre isso abertamente.

Porque a solução definitiva não está em mudar de sotaque, e sim em mudar a mentalidade do mercado. E isso começa quando a gente encara o problema com lucidez, estratégia e, acima de tudo, coragem para seguir em frente sem deixar de ser quem é.

GZM: Quais são os principais fatores que tornam o modelo da Cuidare escalável?

Miranda: Acredito que a escalabilidade da Cuidare veio da combinação de alguns pilares muito bem estruturados desde o início. Primeiro, desenvolvemos um modelo de negócio com baixo custo de investimento, o que abriu portas para empreendedores de diferentes perfis — inclusive aqueles que buscavam uma transição de carreira ou um negócio próprio, mas sem capital alto disponível.

Além disso, conseguimos entregar um serviço com padrão de qualidade diferenciado, algo que sempre enxergamos como prioridade. Investimos fortemente em capacitação da mão de obra, criando protocolos próprios de atendimento, com foco tanto no cuidado técnico quanto no cuidado humano. Isso nos permitiu não apenas oferecer um serviço superior, mas também padronizável, o que é essencial para escalar.

Outro ponto foi o investimento em processos e tecnologia para suporte aos franqueados. Criamos ferramentas que facilitam a operação, o marketing local, o acompanhamento de desempenho e a integração com os clientes. Isso ajuda a manter a consistência da marca em qualquer região do país.

Por fim, acredito que nossa escalabilidade também se deve ao fato de resolvermos um problema real da sociedade — o cuidado domiciliar. É um serviço que tem demanda crescente, e nosso modelo se mostrou replicável sem perder qualidade ou propósito. No fundo, o que tornou a Cuidare escalável foi a soma entre um modelo acessível, um serviço necessário e uma cultura muito clara de excelência e humanidade.

GZM: Como a rede se diferencia no mercado de cuidados domiciliares?

Miranda: A principal diferença da Cuidare está na qualificação técnica e no rigor dos nossos processos de seleção e capacitação. Todos os nossos cuidadores precisam, obrigatoriamente, ter formação técnica na área específica. Mas não paramos por aí: eles passam por uma entrevista estruturada, uma avaliação prática e, mesmo após aprovados, realizam um segundo curso dentro do nosso Portal Cuidare — com avaliação final.

Esse processo garante que, quando um cuidador da nossa rede entra na casa de uma família, ele está não apenas preparado tecnicamente, mas também alinhado com nossos valores de cuidado humanizado, respeito à individualidade e atenção aos detalhes. Ele sabe, por exemplo, como agir em situações de primeiros socorros, como lidar com pacientes com mobilidade reduzida ou doenças crônicas, entre outros pontos fundamentais.

Isso nos diferencia bastante em relação ao mercado informal, onde, muitas vezes, os chamados “cuidadores” são pessoas sem formação específica, que atuam mais como ajudantes gerais ou domésticos. E o cuidado domiciliar exige muito mais do que boa vontade — exige conhecimento, sensibilidade, responsabilidade e preparo.

Além disso, oferecemos suporte contínuo aos nossos cuidadores, acompanhamento técnico e uma estrutura profissional que dá segurança tanto ao profissional quanto à família. Isso se reflete na confiança que conquistamos ao longo dos anos e na padronização da qualidade em todas as unidades da rede. No final, o que oferecemos é mais do que um serviço — é tranquilidade para as famílias e dignidade para quem está sendo cuidado.

GZM: Que conselhos você daria a empreendedores do Nordeste que enfrentam barreiras semelhantes?

Miranda: Aos empreendedores do Nordeste — e de qualquer região fora do eixo Sul-Sudeste — eu diria, em primeiro lugar: não subestime sua origem, transforme-a em diferencial. Muitas vezes, as barreiras não são só estruturais, mas também simbólicas. A gente cresce ouvindo que só o que vem do eixo principal tem força, e isso vai moldando, sem perceber, até a nossa autoconfiança. Mas é possível — e necessário — romper essa lógica.

Do ponto de vista prático, recomendo muito buscar apoio de instituições como o SEBRAE, que têm profundo conhecimento do território e oferecem orientação acessível e aplicável. No meu caso, foi uma virada quando comecei a investir em consultorias especializadas, porque isso me ajudou a tomar decisões mais profissionais e menos no “feeling”.

Também aconselho a construir rede com outros empreendedores locais. Quando a gente compartilha desafios, surgem soluções, trocas e até parcerias que fazem a diferença. O apoio entre quem enfrenta a mesma realidade tem um valor imenso. Mas acima de tudo, meu conselho é: não espere validação de fora para começar ou crescer. Acredite na potência do que você está construindo, mesmo que a aceitação demore. O Brasil precisa — e vai precisar cada vez mais — de negócios nascidos em outras realidades, com outras vozes, sotaques e formas de ver o mundo.

GZM: Há planos de internacionalização ou novos serviços dentro da rede?

Miranda: Sim, temos planos claros de internacionalização, e o projeto já está em andamento. Nosso objetivo é levar o modelo da Cuidare para países da América do Sul e também para o mercado dos Estados Unidos, onde há uma demanda crescente por serviços de cuidado domiciliar, especialmente com o envelhecimento da população. 

O que nos motivou a olhar para fora do Brasil foi perceber que o nosso modelo, focado em qualificação técnica, cuidado humanizado e gestão eficiente, pode ser adaptado e replicado em outras culturas, respeitando, claro, as particularidades de cada país.

Além disso, internamente, estamos também trabalhando na ampliação dos nossos serviços dentro da própria rede, com novas soluções de suporte às famílias e aos cuidadores, como programas de capacitação continuada e recursos tecnológicos para monitoramento e acompanhamento do cuidado. Nosso foco é crescer com consistência. A internacionalização não é só um sonho — é uma estratégia que está sendo planejada com os pés no chão, para que possamos manter o mesmo padrão de qualidade que nos trouxe até aqui.

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