Há um Brasil que trabalha muito e dorme pouco, e que, mesmo assim, chega à velhice com a proteção social por um fio. É o Brasil dos informais e dos microempreendedores individuais (MEIs), que saltaram de 40 mil para 16 milhões em pouco mais de uma década. Essa energia empreendedora é motivo de orgulho. O que não pode é virar sinônimo de insegurança quando a renda diminui ou o corpo já não acompanha.
O avanço da informalidade e da chamada “pejotização” expõe uma fragilidade estrutural: uma imensa parcela da população brasileira não consegue manter contribuições regulares para a previdência oficial. Quando chega a maturidade, descobre-se que a rede de proteção é insuficiente ou mesmo inexistente. A questão da inclusão previdenciária precisa, portanto, ser tratada como prioridade nacional.
O país já dispõe de instrumentos capazes de oferecer uma proteção mais estável a esse público. Entre eles, as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) representam uma alternativa com atributos relevantes: são sem fins lucrativos, funcionam com regras de governança compartilhada, devolvem resultados aos próprios planos e operam em horizontes de longo prazo, características que ajudam a dar consistência às trajetórias previdenciárias.
A legislação brasileira, por sua vez, já prevê mecanismos importantes que permitem preservar direitos mesmo em situações de descontinuidade, como a portabilidade, o benefício proporcional diferido e o autopatrocínio.
O problema não está na falta de instrumentos, mas na dificuldade de acesso e na adequação dos produtos às condições reais de milhões de trabalhadores. A vida de quem depende de contratos intermitentes, de renda sazonal ou do próprio CNPJ exige soluções desenhadas sob medida, e não modelos pensados apenas para carreiras formais e lineares.
Nesse sentido, planos instituídos por associações, sindicatos, cooperativas e conselhos profissionais despontam como um caminho promissor. Eles podem ser moldados para realidades específicas de motoristas de aplicativo a ambulantes, de manicures a produtores rurais com contribuições mínimas, aportes variáveis e adesão digital.
Outro mecanismo relevante são os Planos Família, que ampliam a cobertura ao incluir dependentes e cônjuges de participantes já vinculados. E a experiência internacional mostra que a inscrição automática com opção de saída pode elevar significativamente a adesão entre trabalhadores que transitam entre vínculos formais e informais, aproveitando a inércia a favor da proteção.
Para que esses mecanismos ganhem escala, é fundamental que políticas públicas e entidades de apoio se engajem. O setor público pode integrar a adesão previdenciária a plataformas já utilizadas por milhões de empreendedores, como o Portal do Empreendedor, além de apoiar planos nacionais voltados ao público do MEI.
As entidades de classe, cooperativas e o Sebrae têm papel importante ao incluir a previdência no conjunto de soluções oferecidas ao pequeno negócio, junto de crédito, capacitação e orientação financeira. E a sociedade em geral precisa normalizar a conversa sobre aposentadoria, entendendo-a não como luxo, mas como parte da estrutura básica de proteção em uma economia onde o trabalho autônomo e a informalidade ganharam protagonismo.
Também é necessário enfrentar mitos que ainda afastam potenciais participantes. Não se trata de uma solução restrita a quem tem salários altos: contribuições menores e flexíveis permitem começar em diferentes níveis de renda. Tampouco mudar de trabalho significa perder o que foi acumulado, já que a legislação assegura continuidade por meio da portabilidade e do autopatrocínio. A experiência de adesão e acompanhamento, por fim, não precisa ser complexa. Ferramentas digitais permitem comunicação clara, simuladores simples e lembretes automáticos, tornando o processo mais acessível.
O Brasil pode continuar celebrando o empreendedorismo e fingindo surpresa a cada nova crise de renda na maturidade, ou pode usar os instrumentos já disponíveis, com regras claras e instituições sólidas, para transformar trajetórias fragmentadas em percursos mais estáveis. A previdência complementar fechada não é panaceia, mas representa uma alternativa consistente e viável dentro de uma estratégia maior de inclusão social. A questão não é se o país pode fazer isso. É se vamos esperar a próxima, ou se vamos começar agora.