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O dilema digital do Brasil: quem paga a conta da conexão? 

Estudo da GO Associados que a GZM teve acesso exclusivo faz uma análise sobre o impasse entre operadoras, plataformas digitais e o futuro da internet no país

Nos últimos anos, o Brasil testemunhou uma verdadeira revolução digital. Milhões de brasileiros passaram a acessar a internet, impulsionados por smartphones, redes sociais e plataformas de vídeo. Essa expansão, celebrada como um avanço democrático, esconde um debate complexo e urgente: quem deve arcar com os custos crescentes da infraestrutura digital? 

Esse é o cerne da discussão sobre o chamado fair share — ou, como tem sido popularmente apelidado, o “pedágio da internet”. Trata-se de uma proposta que visa redistribuir os custos da conectividade, exigindo que grandes plataformas digitais contribuam financeiramente para a manutenção e expansão das redes que sustentam seus serviços. 


O que está em jogo 

A cadeia produtiva digital é composta por dois grandes blocos: 

  • As operadoras de telecomunicações, como Vivo, Claro e TIM, que investem bilhões em infraestrutura — fibra óptica, antenas, data centers e, mais recentemente, redes 5G. 
  • As plataformas digitais globais, como Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp) e Alphabet (Google, YouTube), geram quase metade do tráfego global de dados, mas não contribuem diretamente para os custos da rede. 

Segundo as operadoras, essa dinâmica cria o chamado “problema do carona”: enquanto elas arcam com os investimentos, as plataformas lucram com o uso intensivo da rede, sem participar do financiamento da infraestrutura. Essa assimetria, dizem, compromete a sustentabilidade do sistema e desestimula novos investimentos. 


O debate regulatório 

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) reconheceu o risco de desequilíbrio entre os provedores de infraestrutura e os chamados Serviços de Valor Adicionado (SVAs). Em resposta, iniciou uma Análise de Impacto Regulatório (AIR)  para investigar se há falhas de mercado e avaliar os efeitos de uma possível intervenção. 

A proposta de fair share tem defensores e críticos: 

Grupo Argumentos a favor Argumentos contra 
Operadoras Sustentabilidade da rede, incentivo ao investimento, justiça econômica — 
Sociedade civil (Internet sem Pedágio) Risco de aumento de preços, ameaça à neutralidade da rede, impacto na inovação Contrariedade ao Marco Civil da Internet 

Experiências internacionais 

A Coreia do Sul é frequentemente citada como exemplo. Lá, a adoção de um modelo de fair share levou à saída de plataformas como Twitch e à degradação da experiência do usuário, com lentidão e restrições de acesso. O caso serve de alerta para os riscos de uma regulação mal calibrada. 


Riscos e oportunidades para o Brasil 

Um estudo da GO Associados, ao qual a GZM teve acesso, aponta que o Brasil está diante de uma encruzilhada digital. A crescente demanda por dados exige investimentos contínuos, mas o modelo atual pode não ser sustentável. Ao mesmo tempo, qualquer mudança regulatória precisa preservar os princípios fundamentais da internet: abertura, equidade e acessibilidade. A matriz indicada pelo estudo aponta para os seguintes termos: 

Riscos: 

  • Redução da qualidade da conexão 
  • Aumento de custos para usuários finais 
  • Saída de plataformas do mercado brasileiro 

Oportunidades: 

  • Estímulo ao investimento em infraestrutura 
  • Maior equilíbrio competitivo 
  • Fortalecimento da soberania digital 


Caminhos possíveis 

A solução não será simples nem unilateral. Especialistas apontam que o Brasil precisa: 

  • Garantir transparência e participação pública no processo regulatório 
  • Preservar a neutralidade da rede, conforme previsto no Marco Civil da Internet 
  • Estimular modelos colaborativos entre operadoras e plataformas 
  • Monitorar impactos econômicos e sociais de qualquer medida adotada 


O que se percebe é que o dilema digital brasileiro não é apenas técnico ou econômico — é profundamente político e social também. A forma como o país decidirá lidar com o fair share definirá não apenas quem paga a conta da conexão, mas também que tipo de internet será acessível às futuras gerações: uma rede aberta e inclusiva ou um sistema fragmentado por interesses comerciais. 


Rede sobrecarregada, consumidor penalizado: o custo invisível da conectividade no Brasil 

Enquanto o debate sobre o “fair share” segue acalorado entre operadoras de telecomunicações e plataformas digitais, o estudo da GO Associados lança luz sobre um aspecto muitas vezes negligenciado: o impacto direto sobre o consumidor final. 

Segundo o levantamento, os brasileiros estão arcando com os custos de uma rede menos eficiente, resultado de uma taxa de investimento considerada sub-ótima pelas operadoras. A consequência? Uma infraestrutura sobrecarregada e uma experiência digital cada vez mais comprometida. 


O elo mais frágil: o consumidor 

O estudo aponta que os usuários finais são os mais vulneráveis nesse ecossistema. 

Sem poder de barganha ou controle sobre o volume de dados que consomem, acabam absorvendo os efeitos das falhas de mercado. Um exemplo emblemático é o YouTube, onde cerca de um terço do tráfego é composto por anúncios ou conteúdo não solicitado — dados que consomem banda, mas não agregam valor direto ao usuário. 

Essa sobrecarga, segundo a consultoria, desvia recursos da infraestrutura para suportar tráfego que não foi demandado pelo consumidor. 


A urgência de uma intervenção regulatória 

Diante desse cenário, o estudo recomenda uma atuação mais incisiva da Anatel para corrigir distorções e promover um modelo de sustentabilidade de rede. Entre as propostas: 

  • Estabelecer uma contribuição financeira proporcional ao tráfego gerado pelas grandes plataformas digitais (as chamadas OTTs — Over The Top), como forma de incentivar o uso eficiente da infraestrutura. 
  • Evitar o efeito carona, em que empresas lucram com o uso da rede sem contribuir para sua manutenção. 
  • Mediar negociações equilibradas entre operadoras e plataformas, dada a assimetria de poder entre os dois grupos. 

Como se vê, a cada dia que passa a ineficiência do sistema e a falta de um caminho claro a seguir pode estar custando caro para a produtividade e a boa alocação de responsabilidades no Brasil. O futuro, mais do que nunca, precisa ser desenhado. E já.


Estudo questiona projeções da Aliança Pela Internet Aberta (AIA)

A proposta de contribuição das plataformas digitais, conhecidas também como OTTs (uma sigla para “over the top”) tem sido criticada por entidades como a Aliança pela Internet Aberta (AIA), que defende a manutenção da neutralidade da rede e alerta para riscos à inovação. No entanto, um estudo da consultoria GO Associados questiona a validade dos argumentos apresentados pela AIA. 

Segundo a consultoria, os documentos publicados pela Aliança — “Sensibilidade à Variação de Renda e Demanda por Serviços Digitais no Brasil” e “Projeções da demanda por tráfego de dados no Brasil”, ambos de 2024 — apresentam problemas teóricos e econométricos que comprometem suas conclusões.  

Os autores da análise consideram que os estudos da AIA tentam invalidar a necessidade de contribuição das plataformas digitais, sem oferecer alternativas viáveis para garantir a expansão da rede em ritmo compatível com a demanda crescente. 

A análise da GO também aponta que a proposta de um modelo de contribuição proporcional ao tráfego não busca punir as plataformas, mas sim redistribuir responsabilidades de forma mais justa e eficiente. Ao alinhar incentivos, o Brasil pode garantir uma rede mais robusta, acessível e preparada para os desafios da próxima década. 

Pelos fundamentos das críticas a discussão passa ser extremamente relevante, pois o documento da AIA tem sido usado como base para contestar propostas de contribuição financeira das grandes plataformas digitais (OTTs) para a manutenção da infraestrutura de rede no país. 

Dessa forma, o relatório da AIA, por apresentar equívocos metodológicos relevantes e que comprometem a confiabilidade das projeções, podem, por consequência, podem comprometer a formulação de políticas públicas voltadas à sustentabilidade da conectividade digital no Brasil. 


Principais inconsistências apontadas 

O relatório da GO destaca os seguintes problemas técnicos: 

  • Falta de clareza sobre os dados utilizados: O período estimamadoestimado vai de 2017 a 2023, mas os autores não especificam se utilizaram dados observados ou projeções fora da periodicidade, o que compromete a transparência e a replicabilidade do estudo. 
  • Unidades percentuais mal aplicadas: Três variáveis são expressas em percentual, o que torna a interpretação dos coeficientes estimados (betas) inconclusiva sob a ótica econômica, dificultando a análise de impacto real. 
  • Erro na medição de elasticidade: A elasticidade — indicador crucial para prever variações na demanda — foi calculada de forma equivocada, segundo a consultoria. 
  • Baixa significância estatística: Os parâmetros do modelo são significativos apenas a 15%, um nível considerado elevado e pouco rigoroso para padrões acadêmicos e econômicos, que normalmente exigem significância de 5% ou menos. 
  • Uso inadequado de técnica de estimação: O modelo foi estimado por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), enquanto a previsão de tráfego de rede costuma empregar modelos autorregressivos ou redes neurais, mais adequados para séries temporais e padrões não lineares. 


Contradições internas e projeções frágeis 

Além das falhas técnicas, o estudo aponta inconsistências na própria tese da AIA, pois a pesquisa citada pela Aliança estima que os investimentos médios necessários para manutenção e expansão da rede entre 2024 e 2033 serão 6,7% superiores aos investimentos médios anuais realizados entre 2018 e 2022. 

Paradoxalmente, o mesmo estudo reconhece que os investimentos em infraestrutura permanecem estáveis desde 2015, abaixo da média de outras economias relevantes. Ao mesmo tempo, a AIA projeta um crescimento médio anual de 16% na demanda por dados, o que implicaria em um aumento acumulado de 280% até 2033 — uma pressão significativa sobre uma rede que não tem acompanhado esse ritmo de expansão. 


Implicações para o debate regulatório 

Os dados reforçam a tese da GO Associados de que há falhas de mercado que precisam ser corrigidas por meio de uma regulação mais eficiente. A consultoria defende que a Anatel atue como mediadora entre operadoras e plataformas digitais, promovendo um modelo de contribuição proporcional ao tráfego gerado pelas OTTs. 

Essa proposta, segundo o estudo, incentiva o uso racional da rede, corrigiria o chamado “efeito carona” e garantiria investimentos compatíveis com o crescimento da demanda — sem comprometer a qualidade da conexão ou penalizar o consumidor final. 

Por tudo isso, o estudo da GO Associados coloca em xeque a validade das projeções da AIA e reforça a necessidade de rigor técnico e transparência metodológica em análises que influenciam decisões regulatórias de grande impacto.  

Em um momento em que o Brasil discute o futuro da sua infraestrutura digital, a qualidade dos dados e modelos utilizados será determinante para garantir uma internet eficiente, acessível e sustentável. 

Para saber mais sobre os detalhes do estudo e uma visão mais aprofundada do cenário, a GZM conversou com Gesner Oliveira, da GO Associados. Confira: 


GZM: O estudo aponta a necessidade de intervenção regulatória. Como o senhor vê o papel da Anatel nesse processo, e quais seriam os maiores desafios para a implementação de um modelo como o proposto? 

Gesner Oliveira: A atuação da Anatel é estratégica para proteger o interesse público em um mercado repleto de falhas. Nosso estudo mostra que as falhas de mercado existentes impedem uma solução de negociação entre as partes que gere um bom resultado social.  

Isso porque há forte assimetria regulatória e um exemplo típico do problema da carona no qual um conjunto de OTTs com poder de mercado são beneficiadas pelos investimentos na rede, mas não têm incentivos para participar destes aportes de forma proporcional, mesmo sendo os principais usuários.  

O mecanismo de mercado não assegura, por si só, uma solução negociada. Daí o papel estratégico da Anatel como mediadora que pode induzir a uma solução que garanta a sustentabilidade de rede.  

A negociação entre os agentes deve ser incentivada, com a Anatel exercendo papel de mediadora e, se necessário, de árbitra, garantindo decisões equilibradas e alinhadas ao interesse público. Este papel estratégico está em linha com os resultados da literatura da teoria dos jogos.  


GZM: O conceito de “contribuição financeira justa” é central no estudo. Como essa contribuição poderia ser calculada na prática para não penalizar indevidamente as empresas e, ao mesmo tempo, garantir a sustentabilidade da rede? 

Gesner Oliveira:: a “contribuição financeira justa” nada mais é do que a alocação eficiente de investimentos necessária para um funcionamento eficiente da rede de acordo com seu uso.  

Para garantir o equilíbrio e o máximo retorno social aumentando a conectividade do país e evitando a penalização indevida de qualquer agente, é fundamental que a Anatel atue de forma proativa, estabelecendo premissas claras de qualidade de serviço, como a disponibilidade de rede em áreas densamente povoadas, e promovendo um ambiente de negociação transparente entre operadoras e plataformas OTT.  

Em caso de impasse, deve haver um plano de investimentos neutro, previamente definido pela Anatel, que sirva como referência obrigatória. Esse mecanismo assegura o avanço do processo mesmo diante de divergências, alinhando os interesses privados às metas de políticas públicas.  

Assim, a adoção de um modelo de sustentabilidade de rede, com corresponsabilidade entre os agentes e mediação institucional da Anatel, é fundamental para garantir a equidade, a inovação e a proteção do usuário no ecossistema digital. 


GZM : A AIA argumenta que a contribuição das OTTs aumentaria os custos para o consumidor. Como o estudo da GO Associados refuta essa tese e sugere que, na verdade, a inação regulatória é que eleva os custos? 

Gesner Oliveira:: Diante de falhas de mercado, os beneficiários das externalidades recorrem a argumentos que soam convincentes, mas que na prática buscam preservar o conforto de serem “caronas” do investimento.  

O ponto que encarece a vida das pessoas é a ausência de qualquer regulação em um mercado repleto de falhas. Quando um setor estratégico funciona com base no efeito carona, em que alguns se beneficiam da rede sem dividir os custos de sua manutenção e expansão, o resultado é previsível: menos investimento, menos infraestrutura e, consequentemente, serviços aquém do nível de qualidade almejado.  

Quem paga essa conta não são as grandes empresas, mas sim a população que vive em regiões menos desenvolvidas, que continua excluída do acesso a uma internet de qualidade. Milhões de brasileiros que moram fora dos grandes centros seguem condenados a uma cidadania de segunda classe digital. Além, é claro, de privar toda a população dos benefícios da inteligência artificial, telemedicina, educação à distância e das novas formas de teletrabalho. 

Por fim, a verdadeira elevação de custos reside na ausência de regulamentação, a qual perpetua desigualdades, limita oportunidades e restringe direitos. A regulação minimalista e pro-concorrencial, em contrapartida, constitui um instrumento para distribuir de forma equitativa os encargos do desenvolvimento e assegurar que todos tenham acesso ao mesmo padrão de serviço, independentemente de sua localização geográfica. 


GZM: O senhor acredita que a proposta de uma regulação minimalista e equilibrada poderia ser um modelo para outros países? Qual a urgência dessa medida no contexto brasileiro, especialmente com a expansão do 5G? 

Gesner Oliveira: O Brasil não é apenas exportador de commodities, mas também uma referência em soluções regulatórias, jurídicas e financeiras. Nossa realidade continental e de grande complexidade nos obriga a desenvolver modelos criativos e robustos, capazes de dialogar com os desafios mais complexos.  

Uma regulação minimalista e equilibrada nesse setor não apenas nos coloca na fronteira do debate global, como também demonstra que é possível enfrentar falhas de mercado sem excesso de regulação que sufoca a inovação, garantindo um ambiente concorrencial mais justo e equilibrado para todo o setor de telecomunicações. 

A urgência dessa medida é clara. Hoje, nossa vida cotidiana depende de poucas plataformas globais, e o uso crescente de inteligência artificial, telemedicina, educação a distância e novas formas de teletrabalho vêm pressionando cada vez mais a nossa infraestrutura digital.  

Isso significa que precisamos expandir o investimento em 5G para acompanhar essa demanda. Sem uma regulação adequada, o risco é que essa expansão aconteça de forma subótima, deixando de atender completamente ao interesse econômico e social e excluindo regiões menos atraentes para investimento.  Regular de forma equilibrada é, portanto, uma decisão estratégica para assegurar que o Brasil não apenas acompanhe, mas lidere esse novo ciclo regulatório e tecnológico.

Gesner Oliveira, da GO Associados: “A urgência dessa medida é clara. Hoje, nossa vida cotidiana depende de poucas plataformas globais, e o uso crescente de inteligência artificial, telemedicina, educação a distância e novas formas de teletrabalho vêm pressionando cada vez mais a nossa infraestrutura digital“.  

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