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O enigma dos data centers que pode afetar futuro das empresas e das tecnologias

Engenheiro de operações de hardware no data center do Google
Considerada uma infraestrutura essencial para sistemas de tecnologia, o futuro dos data centers está entrelaçado com o destino da IA, da sustentabilidade e da própria economia digital

O mundo corporativo e tecnológico está diante de um dilema silencioso, mas de proporções colossais: o futuro dos data centers. Com trilhões de dólares sendo investidos em infraestrutura para alimentar ferramentas como a inteligência artificial (IA), a sustentabilidade financeira, energética e ambiental dessas estruturas se tornou um dos maiores enigmas da era digital. E o que antes era apenas uma engrenagem invisível por trás da nuvem, agora ocupa o centro das decisões estratégicas de empresas, governos e investidores.

A demanda por data centers nos Estados Unidos, por exemplo, tem números bem conhecidos e, impulsionada pela IA, pode triplicar até 2030, segundo a consultoria McKinsey. E isso exigiria investimentos substancial de quase US$ 7 trilhões. E para se ter uma ideia do tamanho dessa “montanha”, até agora gigantes como OpenAI, SoftBank e Oracle já anunciaram aportes de US$ 500 bilhões no setor até 2029. Meta e Alphabet também estão despejando bilhões em suas infraestruturas, mas, como se vê, o valor somado ainda está longe do que seria necessário.

A Oracle, outra gigante americana do setor de tecnologia, viu suas ações dispararem 43% em um único dia — o maior salto em mais de três décadas — após anunciar que a OpenAI compraria US$ 300 bilhões em poder computacional da empresa. Em contraste, a Nvidia enfrentou queda de 3% em suas ações após divulgar vendas abaixo do esperado em equipamentos para data centers.

Riscos financeiros e a possível bolha

As preocupações soam como alertas em meio ao entusiasmo sobre os avanços do setor em geral e da IA em particular. E um dos que emitiram sinais de alerta foi Joe Tsai, presidente do conselho do Alibaba Group, que afirmou, em março de 2025, que começa “a ver o início de algum tipo de bolha” no mercado de data centers. Ele se referia ao risco de inadimplência, cresce à medida que o financiamento estruturado se torna popular. Só nos primeiros quatro meses de 2025, mais de US$ 9 bilhões foram emitidos em títulos lastreados em ativos e hipotecas comerciais.

A Meta contratou a gestora Pimco para emitir US$ 26 bilhões em títulos para financiar sua expansão. Mas o modelo de negócios enfrenta incertezas. “A dívida é quitada dentro do prazo do contrato ou o contrato do inquilino precisa ser renovado?”, questiona Medina. “O risco de renovação é alto, porque ninguém sabe como será o mercado ou a tecnologia no futuro”.

Mesmo empresas bem financiadas, como é o caso da Meta, só conseguirão sustentar seus data centers se a IA se tornar lucrativa. E isso está longe de ser garantido.

Eficiência computacional: a nova fronteira

A DeepSeek, empresa chinesa de tecnologia, demonstrou que modelos de IA podem gerar resultados confiáveis com menos poder computacional. Isso levanta uma questão crítica: e se a demanda por processamento não crescer na mesma proporção que a IA?

A Microsoft, por exemplo, abandonou um investimento de US$ 1 bilhão em data center em março. O UBS apontou que a empresa, com obrigações de arrendamento de US$ 175 bilhões, pode ter se comprometido além do razoável.

Harris Kupperman, fundador do fundo Praetorian Capital, é ainda mais cético: “Como perder a corrida da IA é potencialmente existencial, todo o fluxo de caixa futuro pode ter que ser canalizado para data centers com retornos de capital fabulosamente negativos”.

Impacto nos orçamentos públicos e ambiental 

Não é apenas o setor privado que está em jogo. Governos estaduais nos EUA estão concedendo incentivos fiscais agressivos a desenvolvedores de data centers. Segundo a organização Good Jobs First, pelo menos 10 estados perderam mais de US$ 100 milhões por ano em receita tributária. E mais de um terço dos estados sequer divulga a perda agregada.

Phoenix planeja aumentar em 500% a capacidade energética de seus data centers — energia suficiente para abastecer 4,3 milhões de residências. Na Virgínia, a concessionária Dominion foi contratada para construir 40 gigawatts adicionais, triplicando a rede elétrica atual.

E o impacto ambiental também é alarmante. Um data center de 100 megawatts consome cerca de dois milhões de litros de água por dia para resfriar servidores — o equivalente a 6.500 residências. E segundo notícias na imprensa americana, muitas das comunidades que abrigam data centers já enfrentam estresse hídrico elevado.

Vijay Gadepally, cientista sênior do Massachusetts Institute of Technology (MIT), resume o dilema: “Acho que estamos naquela era agora, com modelos de IA, em que a questão é quem consegue fazer o maior e melhor. Mas ainda não paramos para pensar: ‘Bem, OK, isso realmente vale a pena?’”

Nova regulação da Anatel no Brasil

No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) lançou uma regulamentação inédita que impõe certificação obrigatória a data centers vinculados às redes de telecomunicações. A norma reconhece a importância estratégica dessas infraestruturas diante do 5G, da computação em nuvem e da IA.

Segundo Paulo Amorim, CEO da K2A Technology Solutions, “Essa regulamentação vem para organizar um setor que se tornou essencial à vida digital moderna”.

A conformidade exigida abrange quatro pilares:

– Resiliência operacional

– Segurança física e cibernética

– Eficiência energética

– Sustentabilidade ambiental

Para as empresas que terceirizam data centers, elas também serão corresponsáveis pela conformidade. “É o tipo de mudança que exige planejamento estratégico e investimentos”, alerta Amorim.

Com mais de 100 data centers comerciais em operação, as empresas no Brasil esperam acelerar a modernização dessas infraestruturas com a regulamentação, que também se aplica ao edge computing — pequenos centros de dados distribuídos, essenciais para aplicações como veículos autônomos e controle industrial.

A Anatel deverá publicar no primeiro semestre de 2026 os procedimentos operacionais da norma e os data centers em operação terão três anos para se adequar.

Crise energética e pressão de custos

Outro ponto crítico na pauta dos data centers é a crise energética global que está pressionando os custos operacionais dessa infraestrutura. No Brasil, a conta de energia deve subir 6,3% até o fim de 2025, segundo a Aneel. E a eletricidade representa cerca de 32% do custo operacional de um data center, um impacto considerável para qualquer operação no setor.

Heber Lopes, Head de Produtos e Marketing da Faiston, explica: “Controlar os gastos na nuvem se tornou uma questão de sobrevivência do negócio”.

Para enfrentar esse cenário, empresas estão adotando práticas que inserem no dicionário de empresas novos vocábulos, como os FinOps — gestão financeira da nuvem — e observabilidade. Segundo a pesquisa “2025 State of the Cloud”, publicado pela empresa americana de software Flexera, 59% das empresas já contam com equipes dedicadas de FinOps.

Já a observabilidade permite monitoramento contínuo, correlacionando métricas de desempenho com dados de custo. Isso possibilita decisões rápidas e precisas, como desligar máquinas subutilizadas ou otimizar consultas de banco de dados.

“Cada workload precisa justificar seu consumo com entrega de valor”, afirma Lopes. “A nuvem deixou de ser um cheque em branco”.

ISO 50001: energia com inteligência

Outro tema que entrou no radar das empresas com a pressão dos desafios relativos à custos  infraestrutura de data centers, nuvens e tecnologias é a norma internacional ISO 50001, voltada à gestão energética, que já ganhou relevância em ambientes intensivos em IA. Segundo Plínio Pereira, gerente da TÜV Rheinland, “A ISO ajuda a direcionar foco e recursos exatamente para onde reside o maior gasto”.

A norma orienta empresas a desenvolver políticas energéticas claras, identificar áreas de uso intensivo, estabelecer metas e planos de ação e medir e analisar desempenho.

No Brasil, o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034 prevê que, até 2037, o consumo dos data centers será equivalente ao de 25 milhões de pessoas. O Ministério da Ciência e Tecnologia, assim, lançou um programa de R$ 500 milhões para financiar data centers verdes, priorizando fontes renováveis e tecnologias de resfriamento inovadoras.

Plínio Pereira, gerente da Área de Sistemas da TÜV Rheinland: “A ISO ajuda a direcionar foco e recursos exatamente para onde reside o maior gasto”.

O enigma que resta

O futuro dos data centers está entrelaçado com o destino da IA, da sustentabilidade e da própria economia digital. O que está em jogo não é apenas a eficiência tecnológica, mas a viabilidade de um modelo que consome recursos em escala industrial.

Empresas, governos e sociedade precisam responder à pergunta que Gadepally levantou: “Isso realmente vale a pena?”

Enquanto essa resposta não chega, o enigma dos data centers continua a crescer — e pode, sim, afetar profundamente o futuro das empresas e das tecnologias.

Heber Lopes, Head de Produtos e Marketing na Faiston: “Controlar os gastos na nuvem se tornou uma questão de sobrevivência do negócio”.

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