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O que os programas de financiamento da indústria em 2025 dizem sobre o plano de desenvolvimento do país

Vice-presidente Geraldo Alckmin em visita recente à fábrica da Ciclo Cairu, na cidade de Pimenta Bueno, em Rondônia, que produz 60 mil bicicletas por mês e que recebeu investimento de R$ 500 milhões do programa NIB. Foto: Cadu Gomes
Como os incentivos à inovação, produtividade e sustentabilidade estão moldando o futuro da neoindustrialização brasileira

O segundo trimestre de 2025 marca um ponto de virada na trajetória da indústria nacional. Com a consolidação da Nova Indústria Brasil (NIB), política lançada pelo Governo Federal em 2024, o país vem acelerando sua agenda de desenvolvimento com foco em inovação, sustentabilidade e transformação digital. Os números até aqui são grandes: só o Plano Mais Produção (P+P) já contratou R$ 472,7 bilhões em 168 mil projetos desde 2023, segundo o Radar da Indústria da CNI.

Esses valores mostram uma estrutura de financiamento industrial em 2025 robusta e bem articulada. Os principais agentes — BNDES, Finep, Caixa, Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia — operam em sinergia com as seis missões estratégicas da NIB, que vão da agroindústria à defesa nacional. O objetivo é claro: transformar a base produtiva brasileira com investimentos que gerem impacto econômico, social e ambiental.

Segundo o painel interativo do Ministério do Desenvolvimento, o MDIC, os recursos do P+P estão distribuídos da seguinte forma:

MissãoÁrea de focoInvestimento contratado
Missão 3InfraestruturaR$ 198,33 bilhões
Missão 1AgroindústriaR$ 104,87 bilhões
Missão 4Transformação DigitalR$ 77,38 bilhões
Missão 5DescarbonizaçãoR$ 43,97 bilhões
Missão 6Defesa e SoberaniaR$ 26,21 bilhões
Missão 2SaúdeR$ 21,93 bilhões

Esses dados revelam uma prioridade clara: infraestrutura e agroindústria lideram os aportes, seguidas por digitalização e sustentabilidade — pilares centrais da neoindustrialização.

BNDES e a concentração regional

O BNDES, principal operador do P+P, já havia aprovado R$ 206,1 bilhões em projetos até maio de 2025. A maior parte dos recursos está concentrada no Sudeste (48,9%) e Sul (27,2%), com destaque para São Paulo, Minas Gerais e os estados do Sul. No entanto, quando se analisa o desempenho relativo por PIB industrial, estados como Mato Grosso, Tocantins e Maranhão mostram maior eficiência na captação.

Depreciação Acelerada: alívio fiscal e modernização

Outro destaque é o programa de Depreciação Acelerada, que permite às empresas abaterem 50% do valor de máquinas e equipamentos no primeiro ano e o restante no segundo. Já foram gerados R$ 265,19 milhões em benefícios até junho. Segundo a CNI, essa medida aumenta em 49% o VPL da economia fiscal, favorecendo reinvestimentos e modernização fabril.

MPMEs e setor automotivo ganham fôlego

Outras iniciativas em curso hoje são o Brasil + Produtivo e o Mover, que são exemplos de como esses programas podem também atender micro, pequenas e médias empresas e setores estratégicos. O primeiro realizou mais de 11 mil atendimentos com foco em eficiência energética e digitalização, enquanto o Mover investiu R$ 235 milhões em PD&I no setor automotivo, com ganhos de produtividade de até 49% e formação de alianças e especialistas em mobilidade elétrica.

Outro ponto crítico da análise passa pela territorialização dos investimentos, que parece também avançar. Uma chamada pública de R$ 10 bilhões foi lançada para o Nordeste, com foco em energia renovável, bioeconomia e agricultura familiar. O Grupo de Trabalho de Adensamento Produtivo da NIB também atua na construção de planos para 28 cadeias produtivas, com implementação prevista para 2026.

Entre elas, estão as Cadeias Agroindustriais Sustentáveis e Digitais, o Complexo Econômico Industrial da Saúde, a Infraestrutura, Saneamento, Moradia e Mobilidade Sustentáveis, a  Transformação Digital da Indústria, a Bioeconomia, Descarbonização, Transição e Segurança Energéticas e a cadeia de Tecnologias de Interesse para a Soberania e a Defesa Nacionais, que incluem satélites, veículos lançadores, radares e tecnologias críticas para a defesa.

Resultados concretos até aqui

Os impactos até chamam a atenção: R$ 2,2 trilhões em investimentos privados alavancados até o fim de 2024, crescimento de 3,4% do PIB, aumento da taxa de investimento para 17% e geração de mais de 306 mil empregos formais na indústria. O índice de desigualdade social caiu ao menor nível desde 2012, mostrando que os incentivos estão alinhados com a agenda de desenvolvimento nacional.

E o que tudo isso revela sobre o plano de país

Os programas de financiamento industrial em 2025 não são apenas instrumentos econômicos — são reflexos de uma estratégia de desenvolvimento que busca combinar competitividade com inclusão, inovação com sustentabilidade, e crescimento com qualidade de vida. A Nova Indústria Brasil não apenas financia máquinas: ela financia um novo modelo de país.

Mas, apesar dos avanços, o financiamento da indústria brasileira ainda enfrenta entraves estruturais e críticas importantes que desafiam sua efetividade e alcance.

Embora os programas da Nova Indústria Brasil (NIB) tenham impulsionado investimentos e modernização, especialistas apontam obstáculos que ainda limitam o pleno aproveitamento dos incentivos:

  • Burocracia e lentidão nos processos de crédito: Empresas, especialmente as de menor porte, enfrentam dificuldades para acessar linhas de financiamento devido à complexidade dos requisitos e à morosidade na análise dos projetos.
  • Falta de capacitação técnica para elaboração de projetos: Muitas indústrias não possuem equipes preparadas para montar planos estratégicos de inovação (PEIs) exigidos por programas como o Finep Mais Inovação.
  • Concentração regional dos recursos: Apesar de iniciativas voltadas ao Nordeste e outras regiões menos industrializadas, a maior parte dos recursos segue concentrada no Sudeste e Sul, o que reforça desigualdades históricas no desenvolvimento industrial.
  • Ambiente regulatório instável: Mudanças frequentes em regras fiscais e políticas públicas geram insegurança jurídica, dificultando o planejamento de longo prazo por parte das empresas.
  • Baixa articulação entre academia e indústria: A conexão entre centros de pesquisa e o setor produtivo ainda é limitada, o que compromete a aplicação prática de tecnologias desenvolvidas em universidades e institutos.

Críticas recebidas pelos programas atuais

Além dos desafios operacionais, os programas da NIB também receberam críticas de especialistas e representantes do setor:

  • Falta de clareza na definição de rotas tecnológicas prioritárias: O Brasil ainda não consolidou uma estratégia nacional clara sobre quais setores devem liderar a transformação industrial, o que pode diluir os impactos dos investimentos.
  • Excesso de foco em grandes empresas: Embora haja iniciativas para MPMEs, como o Brasil + Produtivo, parte significativa dos recursos e incentivos fiscais ainda é captada por grandes grupos econômicos, deixando pequenas indústrias em desvantagem competitiva.
  • Descompasso entre metas ambientais e capacidade produtiva: A pressão por descarbonização e sustentabilidade é positiva, mas algumas empresas alegam que faltam recursos e suporte técnico para cumprir exigências ambientais sem comprometer sua viabilidade econômica.

Como destacou o superintendente de Política Industrial da CNI, Fabrício Silveira, “a transparência dos dados é essencial, mas é preciso avançar na territorialização dos investimentos e na simplificação dos processos para que o financiamento industrial seja, de fato, inclusivo e transformador”.

Confira a seguir a entrevista completa com Fabrício Silveira, superintendente de Política Industrial da CNI, sobre o tema do financiamento da indústria no Brasil:

GZM: Como são percebidas pela CNI as medidas que estão sendo tomadas para reduzir a concentração regional dos investimentos?

Fabrício Silveira: A Nova Indústria Brasil (NIB), política industrial do governo, foi criada para solucionar grandes problemas socioeconômicos através de seis missões nacionais. Para garantir sua implementação regional, um Grupo de Trabalho de Coordenação das Ações de Territorialização e Desenvolvimento Regional foi formado. Esse grupo tem como objetivo alinhar as ações de diversos órgãos e entidades com a NIB, atuando em três eixos principais: regionalização dos programas da NIB, industrialização nos territórios, e desenvolvimento de fornecedores no setor automotivo. 

O GT está elaborando estudo com uma análise regionalizada das cadeias prioritárias da NIB. Além disso, está realizando um mapeamento das políticas vigentes para a indústria sob governança do MDIC e que contam com critérios regionais em sua execução, visando identificar frentes de atuação sinérgicas para ações de territorialização. O GT pretende apresentar, no segundo semestre, uma “estratégia de territorialização da NIB”. Portanto, apesar da NIB ter sido pensada em âmbito nacional, as ações de regionalização ocorrem com os mesmos objetivos, algo essencial para que a política industrial tenha êxito nas suas missões.

Quando observamos os recursos do Plano Mais Produção, braço financeiro da NIB, estes tendem a se concentrar, em valores absolutos, nas regiões onde a atividade industrial já é predominante, como o Sul e o Sudeste do Brasil. No entanto, quando avaliamos a distribuição de recursos de acordo com a participação do estado no PIB industrial, já visualizamos uma maior desconcentração regional. 

O avanço do trabalho de regionalização da NIB certamente contribuirá para uma melhor alocação de recursos no território nacional, com a identificação de prioridades para o desenvolvimento. Isso evidencia a importância do Estado em cumprir seu propósito distributivo dos recursos públicos por meio da política industrial, visando reduzir as desigualdades regionais e fomentar o crescimento em todo o território brasileiro.

GZM: A meta de reindustrialização considera uma reversão da tendência de queda da participação da indústria no PIB. Isso é possível? Em quanto tempo previsto?

Fabrício Silveira: Em meados da década de 1980, o setor industrial chegou a ser responsável por quase metade do PIB brasileiro. A expansão do setor foi resultado da adoção de políticas públicas que incentivaram investimentos do governo e da iniciativa privada em setores estratégicos, como energia, transportes, comunicação, siderurgia, mineração e petróleo, entre outros. Tais políticas foram decisivas para o crescimento e a consolidação do parque industrial brasileiro.

Desde a década de 1990, entretanto, o Brasil tem sofrido um preocupante processo de desindustrialização. A indústria de transformação, que em 1985 representava 36% do PIB, chegou a representar apenas 12% entre 2012 e 2020. Após a pandemia, a participação da indústria teve leve alta, mas terminou o ano de 2024 com apenas 14,4% da produção nacional. A perda de participação da indústria no PIB brasileiro é particularmente preocupante porque ocorreu antes de o país atingir o status de economia de alta renda.

Em economias desenvolvidas, a transição para uma estrutura econômica dominada por serviços de maior valor agregado, como tecnologia da informação e finanças, geralmente acontece após um estágio robusto de industrialização e consolidação da renda. Nesses países, os serviços de mais alta qualidade ganham peso frente à indústria, mas partindo de uma base industrial já consolidada e madura.

Apesar do cenário atual de taxa de juros elevada e incertezas no cenário internacional impactarem o processo de reindustrialização no curto prazo, o estímulo a indústria é fundamental no longo prazo. Medidas de política industrial moderna buscam alterar a estrutura produtiva com foco em produtividade, inovação e sustentabilidade, tornando empresas brasileiras mais competitivas e aumentando a participação do Brasil nas exportações da indústria de transformação mundial, que se mantém estagnada entre 0,8% e 1,1% há 20 anos no Brasil. 

A reversão da desindustrialização precoce, por meio da retomada de políticas industriais modernas, é a oportunidade de criar bases sólidas para um crescimento sustentável, superando o já conhecido e limitado “voo de galinha” que o país tem vivido.

GZM: Há negociações para ampliar o apoio a setores emergentes como biotecnologia, semicondutores e economia circular?

Fabrício Silveira: O plano de ação da Nova Indústria Brasil (NIB) reuniu ações de apoio a esses setores, que vêm ganhando destaque em um contexto de aumento de sustentabilidade e digitalização dos métodos produtivos. A política definiu seis missões estratégicas para o país, dentre as quais encontram-se a missão de Transformação Digital da indústria e de Bioeconomia e Descarbonização. 

Para cada missão, diversas ações são tomadas para apoiar setores, não se restringindo a uma política específica. Por exemplo, para o apoio ao desenvolvimento de semicondutores, o Novo Padis foi sancionado em 2023, oferecendo incentivos fiscais para a produção de semicondutores e materiais para a fabricação de energia solar. Ao mesmo tempo, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) teve aumento expressivo dos seus recursos com a nova política industrial, e lançou o edital Mais Inovação – Semicondutores, destinando R$ 100 milhões à inovação no setor.

O mesmo acontece com setores voltados para biotecnologia e economia circular. O Plano Mais Produção (P+P), eixo financeiro da NIB, foi estruturado com 4 eixos de atuação, sendo um deles o eixo “verde”, que aloca recursos do Plano para projetos sustentáveis. Até o momento, o Programa P+P já destinou R$ 33 bilhões a estas iniciativas. Paralelamente, o governo, por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), priorizou 28 cadeias produtivas para o adensamento industrial. Entre elas, encontram-se os setores de semicondutores, princípios ativos biológicos e biofertilizantes, além de outras áreas fundamentais para a descarbonização da indústria.

Para cada cadeia, o governo está criando planos de ação como forma de estimular essas cadeias produtivas. Serão necessárias diversas ações como as que estão sendo propostas, que se complementem de forma sinérgica, para o êxito do adensamento produtivo.

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