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Operadoras de planos de saúde e mercado em alerta com decisão do STF que barra reajuste por idade

Corte reconhece aplicação do Estatuto da Pessoa Idosa a contratos anteriores à lei e abre caminho para decisões uniformes em todo o país

Em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para considerar inconstitucional o reajuste de planos de saúde com base na idade do beneficiário após os 60 anos, mesmo em contratos firmados antes da vigência do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003). O julgamento, que envolve o Tema 381 de Repercussão Geral, ainda aguarda proclamação oficial, mas já representa um marco na proteção dos direitos dos consumidores idosos.

O caso analisado teve origem em ação movida pela Unimed dos Vales do Taquari e Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, contra decisão do Tribunal de Justiça estadual que considerou abusivo o aumento da mensalidade por idade, classificando o idoso como consumidor duplamente vulnerável. A operadora alegou que o reajuste estava previsto em contrato e amparado pela legislação vigente à época, e que aplicar retroativamente o Estatuto violaria princípios constitucionais como o ato jurídico perfeito e a segurança jurídica.

Apesar de todos os ministros já terem se posicionado, o presidente do STF, ministro Edson Fachin, decidiu aguardar o desfecho de outra ação sobre o mesmo tema — a ADC 90 — antes de proclamar o resultado. A presidência da Corte informou que reunirá os dois processos em sessão presencial para harmonizar os entendimentos e apresentar uma proposta conjunta. Como o tema teve repercussão geral reconhecida, a decisão servirá de base para julgamentos semelhantes em todo o país.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que participou do julgamento como Amicus Curiae, uma parte terceira que apoia a corte com informações, especialmente quando envolve processos de alta complexidade ou impacto em um grande número de pessoas, comemorou o resultado: “A decisão beneficia consumidores e consolida um entendimento essencial para a proteção de pessoas idosas com planos de saúde em todo o país”, afirmou o Instituto em nota. Segundo dados da ANS, mais de 8 milhões de idosos são beneficiários de planos de saúde no Brasil até junho de 2025.

O Idec também criticou a tentativa das operadoras de rediscutir o tema por meio da ADC 90, classificando a estratégia como uma forma de atrasar a efetivação dos direitos reconhecidos. “Esse tipo de manobra deveria ser impedido pelo Supremo. Seguiremos acompanhando a tramitação e reafirmamos nosso compromisso com um sistema de saúde suplementar mais justo e acessível”, declarou.

Lucros bilionários e pressão sobre os consumidores

A decisão do STF ocorre em meio a um cenário de lucros recordes para o setor. Segundo a ANS, os planos de saúde registraram lucro líquido de R$ 12,9 bilhões no primeiro semestre de 2025 — um salto de 131,9% em relação ao mesmo período do ano anterior. O resultado já supera todo o lucro de 2024, que foi de R$ 10,2 bilhões.

Esse desempenho foi impulsionado por resultado operacional de R$ 6,3 bilhões, receitas financeiras em cenário de juros altos (R$ 6,8 bilhões) e queda da sinistralidade para 81,1%, o menor índice desde 2018.

O advogado Thayan Fernando Ferreira, especialista em direito da saúde, alerta que o lucro não pode justificar práticas abusivas. “O lucro recorde não se deve apenas à eficiência das empresas, mas também às regras que permitem reajustes anuais superiores ao avanço das despesas assistenciais. Isso pressiona os consumidores, que enfrentam dificuldades para manter seus planos”, afirma.

Impacto para empresas e usuários

A decisão também afeta empresas que contratam planos coletivos para seus funcionários. Com a proibição de reajustes por idade, operadoras podem tentar compensar a perda de receita com aumentos em outras faixas etárias ou na rede credenciada, exigindo atenção redobrada dos contratantes.

Além disso, o número de processos judiciais contra planos de saúde aumentou 6,8% no último ano, segundo o CNJ. As principais reclamações envolvem reajustes abusivos, negativas de cobertura, cancelamentos unilaterais e exclusão de dependentes.

Thayan destaca que o setor vive um fenômeno de “litigância predatória reversa”, em que grandes operadoras descumprem normas e decisões judiciais para reduzir custos.

Thayan Fernando Ferreira, especialista em direito da saúde: “Precisamos de punições exemplares e mudanças legislativas que deem ferramentas para punir empresas que desrespeitam os direitos dos consumidores

O que esperar daqui para frente

Com mais de 50 milhões de brasileiros atendidos por planos de saúde, o desafio é equilibrar a sustentabilidade financeira das operadoras com a garantia de acesso e qualidade para os usuários. A decisão do STF, embora ainda não proclamada, sinaliza uma mudança de paradigma e deve impulsionar debates sobre a regulação do setor nos próximos meses.

A expectativa é que o Supremo mantenha sua posição firme em defesa dos consumidores e que a decisão final seja proclamada em breve, consolidando um novo capítulo na história da saúde suplementar no Brasil.

IDEC e o papel da “militância” pelos consumidores

O Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) é uma associação civil sem fins lucrativos, independente de empresas, partidos políticos ou governos. Fundado em 1987 “por um grupo de voluntários comprometidos com a justiça social”, o Instituto, segundo o site oficial, “nasceu com a missão de orientar, conscientizar e defender a ética nas relações de consumo — sempre com foco na proteção dos direitos dos consumidores-cidadãos”.

Ao longo de sua trajetória, o Idec tem se consolidado como uma das organizações mais respeitadas do país e referência internacional em advocacy, pesquisa e mobilização social. Suas ações abrangem desde a atuação direta em processos judiciais até a produção de estudos técnicos, campanhas educativas e articulação com órgãos públicos e entidades da sociedade civil.

A GZM conversou com Igor Britto, diretor executivo so IDEC, para saber mais detalhes da instituição. Confira:

GZM: Como o Idec avalia os principais avanços conquistados até agora em 2025 no campo da defesa do consumidor? Quais ações se destacam nesse balanço parcial do ano?

Igor Britto: Em 2025, estamos vendo aumentar a atenção dos poderes legislativos federais e estaduais a nossa reivindicação pela proteção das crianças e adolescentes como consumidores. Em 2025 já comemoramos a aprovação do ECA digital que tem regras muito boas para proteção do público infantil na internet, não apenas contra os perigos do assédio dos criminosos, mas também na responsabilidade das plataformas por conteúdos danosos e publicidades direcionadas para crianças.

Além disso, estamos vendo crescer as regras para proteção do ambiente escolar contra propaganda e oferta de alimentos ultraprocessados e bebidas adoçadas. Recentemente ajudamos o Ceará a aprovar uma lei estadual referência nesse sentido, e mais e mais capitais e estados estão avançando nessas regras que garantem o direito à alimentação saudável nas escolas. Este está parecendo ser o ano de conquistas do IDEC na proteção das crianças e adolescentes.

GZM: Quais foram os temas que mais mobilizaram o Idec neste ano — seja em campanhas públicas, ações judiciais ou articulações com o poder público?

Igor Britto: Além dos temas acima, o IDEC voltou a se organizar para atuar para a saúde e as finanças das famílias. Diante de alguns riscos, como por exemplo, a tentativa de se criar um serviço enganoso de “Pix Parcelado” pelos bancos, que no fundo esconde um serviço de crédito que pode aumentar o endividamento das pessoas. 

Nós conseguimos convencer o Banco Central desse problema que voltou atrás nos planos de aprovar esse serviço. Agora precisamos combater as propagandas enganosas dos Bancos. Além disso, mais uma vez o IDEC conseguiu evitar a criação de planos de saúde sem coberturas essenciais, o que poderia causar mais enganação e endividamento das famílias. Estes são temas que precisamos continuar muito focados porque a qualquer momento esses setores empresariais voltam a pressionar com seu lobby.

GZM: A digitalização dos serviços e o crescimento das plataformas online têm gerado novos tipos de conflitos de consumo. Como o Idec tem atuado para proteger os consumidores nesse ambiente?

Igor Britto: O IDEC se estruturou ao longo dos anos com uma equipe técnica muito competente para identificar as mais atuais ameaças à privacidade e segurança dos dados de consumidores nos serviços digitais. O IDEC produz muita pesquisa, trabalha com base em evidências, e nossas denúncias e ações judiciais geram impactos reais na preservação dos direitos digitais dos consumidores.

Além disso, o IDEC atua de maneira articulada com diversas entidades independentes especialistas no tema e focadas na proteção de direitos das pessoas. Desde ações para combater e responsabilizar empresas e plataformas pelo uso indevido de dados sensíveis de consumidores, até a incidência política para resguardar ao aumentar direitos, o IDEC tem sido ouvido por todos os Poderes da República .

GZM: O Idec tem uma atuação histórica na regulação de alimentos ultraprocessados e na rotulagem nutricional. Quais são os próximos passos nessa agenda e como ela se conecta com a saúde pública?

Igor Britto: Além de querer fazer valer as normas de rotulagem aprovadas após nossa imensa pressão, queremos que elas sejam constantemente aperfeiçoadas. A verdade é que quanto melhor a informação nos rótulos (e ainda há muito o que melhorar) maior será o resultado na saúde da população e no direito de escolha das pessoas por alimentos verdadeiramente saudáveis. 

E daqui pra frente queremos trabalhar para o acesso das pessoas à alimentação saudável. Vamos cobrar políticas públicas, fiscais e regulatórias concretas que favoreçam a oferta e o nosso acesso como consumidores a alimentos saudáveis e sustentáveis.

GZM: Quais são os principais desafios que o Idec ainda pretende enfrentar até o fim de 2025? Há alguma pauta emergente que deve ganhar força nos próximos meses?

Igor Britto: Pensando em oportunidades, este é, ou deveria ser, o ano para despertarmos a compreensão das pessoas e, por consequência, das autoridades e classe política brasileira, sobre os reflexos da produção e consumo no clima e na natureza. Em todas as pesquisas que fizemos, constatamos que consumidores estão sim muito preocupados com as consequências ambientais daquilo que estamos consumindo. 

Mas precisamos fazer as autoridades entenderem que consumidores querem poder comprar produtos e serviços sustentáveis. As coisas realmente saudáveis e sustentáveis precisam ser mais acessíveis à população e ninguém aceita também ser enganado por marcas, rótulos e produtos que falsamente são vendidos como melhores para a natureza. 

Estamos confiantes que ainda teremos no Brasil fontes de energia limpa e barata, alimentos saudáveis acessíveis, sem agrotóxicos, produzidos por pessoas preocupadas com a nossa saúde, etc. E certamente, as tragédias que continuam acontecendo, continuarão exigindo de nós a cobrança da fiscalização das autoridades.

GZM: Como o Idec tem se articulado com outras organizações da sociedade civil, órgãos reguladores e o Congresso Nacional para fortalecer a proteção dos consumidores?

Igor Britto: O IDEC consolidou uma reputação histórica de independência. O IDEC faz incidência em todos os poderes da República, em qualquer composição política das instituições ou de Governo. E essa independência reconhecida por todos os agentes públicos e políticos é o que permite ao IDEC representar consumidores em qualquer ambiente, favorável ou hostil à nossa causa. 

E isso sempre de maneira muito próxima com as diversas organizações da sociedade civil que são alinhadas com nossa causa. As posições do IDEC são respeitadas pelos reguladores de todas as esferas locais e nacionais, ainda que não sejamos atendidos. E essas instituições e seus representantes também sabem que não desistimos.

GZM: O que o Idec espera do consumidor brasileiro em termos de engajamento e participação? Como a instituição tem trabalhado para ampliar o acesso à informação e à educação para o consumo consciente?

Igor Britto: Estamos recebendo cada vez mais apoio da população às nossas causas. E cada vez que conseguimos demonstrar que o IDEC é independente de empresas, governos ou partidos políticos, e que nossas causas dão resultados importantes para o direito de coletividade esse apoio aumenta. Esse apoio vem de várias formas, mas o que mais almejamos é que mais e mais pessoas se associem ao IDEC, se engajando nessas nossas causas, recebendo nossas orientações sobre direitos e consumo consciente, e apoiando a existência do IDEC, essa organização que é um patrimônio da democracia brasileira.

Igor Britto, diretor executivo so IDEC: “O IDEC produz muita pesquisa, trabalha com base em evidências, e nossas denúncias e ações judiciais geram impactos reais na preservação dos direitos digitais dos consumidores“.

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