Depois de anos focando sua expansão internacional na Europa, a NFL finalmente voltou os olhos para o sul. Com uma população de mais de 440 milhões de pessoas, a América do Sul representa um mercado gigantesco e ainda pouco explorado. Só no Brasil, estima-se que mais de 36 milhões de pessoas se identificam como fãs de futebol americano — um número que a liga está determinada a transformar em audiência fiel e engajada.
A instalação de um escritório permanente em São Paulo e a realização de jogos consecutivos no país são sinais claros de que a NFL está apostando alto. O jogo deste ano, transmitido gratuitamente pelo YouTube, marca uma virada importante: pela primeira vez, qualquer pessoa com acesso à internet pôde assistir ao vivo, sem barreiras de assinatura ou localização.
A mudança de estratégia de transmissão — saindo do modelo pago para o acesso livre via YouTube — é um dos grandes trunfos da liga. A expectativa era que o jogo entre Chiefs e Chargers se tornasse o evento mais assistido por streaming na história da NFL.
Hans Schroeder, vice-presidente executivo de distribuição de mídia da liga, resume bem a aposta: “YouTube é uma das plataformas mais acessíveis do mundo. Isso é uma forma de alcançar fãs onde quer que estejam.”
E a escolha dos times não foi por acaso. Os Chiefs são a equipe mais assistida da NFL, e Travis Kelce — estrela do time e noivo de Taylor Swift — adiciona um tempero pop ao evento. Os Chargers, por sua vez, são rivais de divisão e fortes candidatos aos playoffs. O duelo reuniu oito dos 100 melhores jogadores da liga.
A transmissão americana também inovou ao unir lendas do esporte com influenciadores digitais. Rich Eisen (NFL Network) e Kurt Warner (Hall da Fama) comandaram a narração, acompanhados por Stacey Dales na lateral do campo e o criador Deestroying — ex-kicker e fenômeno do YouTube com mais de 6 milhões de inscritos.
A campanha de divulgação contou ainda com nomes como MrBeast e Dude Perfect, além de uma participação especial do comissário Roger Goodell. A ideia? Conectar o universo tradicional do esporte com a energia das comunidades digitais.
Angela Courtin, vice-presidente do YouTube, explica: “Essa escalação foi pensada para unir a análise profunda do esporte com a vibração dos criadores de conteúdo.”
Roger Goodell, comissário da NFL: “Estávamos certos em vir para cá”
Pouco antes da bola oval rolar, o comissário da NFL, Roger Goodell, deu algumas entrevistas e não poupou elogios à experiência brasileira. Segundo ele, o saldo da estreia em 2024 — com Eagles x Packers — foi amplamente positivo, apesar de alguns desafios logísticos.
“Não tivemos muitos contras. Tivemos alguns aprendizados em questões logísticas que conseguimos resolver neste ano. Fizemos muito trabalho no campo, o que o Corinthians considerou uma grande melhoria. O que realmente aprendemos foi que estávamos certos em vir para cá, que este é um mercado incrível, no qual queremos estar a longo prazo e que faz parte do nosso futuro.”
Questionado sobre a continuidade da presença da NFL no Brasil, Goodell foi direto:
“Nós não estamos fazendo isso pensando no curto prazo. Estamos investindo com uma visão de longo prazo, em estar presentes e fazer parte do cenário esportivo brasileiro. Acreditamos que o interesse dos fãs está aqui. Eu adoro ver esses jovens torcedores e o quanto eles amam o jogo. Então, sim, estaremos aqui a longo prazo.”
E a expansão pode ir além de São Paulo. O comissário revelou que outros estados estão no radar:
“Tenho ouvido muito sobre o Rio enquanto caminho por aí. Acho que isso é possível. Estamos fazendo isso em Londres, e acredito que faz parte do crescimento do jogo. Para nós, poder sonhar um pouco, mas também transformar esses sonhos em realidade, é parte do que estamos tentando construir.”
Goodell ainda projetou um futuro em que partidas internacionais sejam rotina:
“Eu realmente acredito que, quando olharmos para trás daqui a dez anos, será algo natural começarmos nossa temporada internacionalmente. Será natural jogarmos 16 partidas fora dos Estados Unidos. E já temos mais demanda por esses jogos do que inventário disponível. E isso é uma ótima situação para se estar.”
Experiência que fala a língua do brasileiro
Segundo a especialista Vanessa Chiarelli Schabbel, a NFL entendeu um princípio fundamental: “Para conquistar o brasileiro, não basta trazer o produto; é necessário construir uma experiência que ‘fale a língua’ do público local.” A liga apostou no conceito de storydoing, criando ações que geram narrativas espontâneas e engajamento genuíno.
Entre os destaques estão o Tailgate Brazil Experience — versão tropicalizada do tradicional ritual americano —, a corrida temática NFL Run, festas como Chiefs House e Chargers Takeover, além de fan zones e watch parties que conectam torcedores em tempo real, mesmo à distância.
Comunicação integrada e impacto real
A estratégia da NFL no Brasil é baseada em tradução cultural, integração omnichannel e criação de um ecossistema de experiências. Em 2024, o NFL Experience no Parque Villa-Lobos reuniu mais de 25 mil pessoas em atividades gratuitas. A NFL Run teve mais de 7 mil inscritos com kits personalizados. Em 2025, essas ações foram ampliadas, com presença reforçada em espaços públicos e campanhas digitais que criam expectativa e pertencimento.
Vanessa destaca: “Mais do que divulgar, é preciso preparar o território para receber o espetáculo. Quando a cidade respira a atmosfera do evento dias antes de ele acontecer, o público cria expectativa, curiosidade e até um senso de pertencimento.”
Aprendizados e melhorias
A edição de 2024 foi marcada por problemas no gramado da Arena Corinthians e questões de segurança. Em 2025, a NFL prometeu — e entregou — uma experiência mais refinada, fruto de planejamento e parceria com o clube paulista.
Peter O’Reilly, VP de negócios da NFL, reforça: “Estamos focados em oferecer a melhor experiência possível, e o gramado é parte essencial disso.”
Apostas esportivas: o novo campo de expansão da NFL no Brasil
A presença da NFL no Brasil não está apenas transformando o cenário esportivo — está também catalisando um boom no mercado de apostas esportivas. Segundo dados coletados pela GZM, o crescimento das apostas no país está diretamente ligado à chegada da liga e à sua estratégia de engajamento com o público local.
Desde que o primeiro jogo da NFL foi realizado em solo brasileiro, em 2024, o volume de apostas em futebol americano disparou. Plataformas digitais registraram aumentos de até 300% em apostas relacionadas à NFL durante os dias de jogos, com destaque para mercados como pontuação total, desempenho de jogadores e resultados por quarto.
Esse crescimento é impulsionado por três fatores principais:
- Maior visibilidade da liga: Com transmissões gratuitas e campanhas de marketing agressivas, a NFL se tornou mais acessível e familiar ao público brasileiro.
- Regulamentação favorável: O avanço na legislação brasileira sobre apostas esportivas abriu espaço para operadores internacionais e ampliou a oferta de mercados.
- Perfil do torcedor brasileiro: Jovens adultos, já habituados a apostar em futebol nacional e europeu, passaram a incluir a NFL em suas rotinas de apostas, atraídos pela imprevisibilidade e dinamismo do jogo.
A própria NFL tem se mostrado receptiva à integração com esse ecossistema. Embora mantenha diretrizes rígidas sobre integridade esportiva, a liga reconhece o papel das apostas como parte do engajamento moderno dos fãs. Parcerias com casas de apostas licenciadas e a inclusão de estatísticas em tempo real durante as transmissões são exemplos dessa aproximação.
Com o Brasil se consolidando como um dos mercados mais promissores para apostas esportivas na América Latina, a NFL encontra mais um vetor de crescimento — desta vez, fora dos gramados, mas igualmente estratégico.
Análise GZM: Cultura forte, expansão inteligente
A NFL não está apenas exportando um produto — está cultivando uma cultura. O sucesso da liga em sua expansão para o Brasil mostra como uma organização com identidade sólida, valores bem definidos e planejamento estratégico pode absorver públicos externos sem perder sua essência.
Ao trazer narradores consagrados e criadores digitais, ao investir em infraestrutura local e ao ouvir o público brasileiro, a NFL não apenas se apresenta — ela se adapta, sem se diluir. Isso é o que diferencia uma presença pontual de uma inserção duradoura.
Empresas e organizações que sonham em ser globais devem aprender com esse modelo: não basta traduzir o conteúdo, é preciso traduzir a cultura. Incorporar pessoas de fora exige respeito, escuta ativa e uma base forte que permita acolher sem perder o rumo.
A NFL está construindo algo maior do que partidas internacionais. Está construindo pertencimento. E isso, no jogo dos negócios, é o verdadeiro touchdown.