Apesar do line-up estrelado, o festival The Town, que começou este final de semana em São Paulo, não esgotou ingressos em nenhum dia. Plataformas como BuyTicket registraram mais de mil entradas disponíveis para revenda, com valores até 50% abaixo do preço original. O fenômeno, comum em eventos de grande porte, expõe um desequilíbrio entre oferta e demanda, agravado pela ampla disponibilidade de ingressos no site oficial.
Entradas que antes custavam R$975 agora podem ser encontradas por R$250. A falta de escassez comprometeu a percepção de exclusividade e gerou frustração entre quem comprou antecipadamente. A democratização dos preços, embora positiva em termos de acesso, revela uma falha estratégica na gestão de vendas e na construção de desejo.
Repetição de atrações e falta de apelo
Uma crítica que se vê nas redes sociais é a repetição de artistas já vistos recentemente no Rock in Rio, evento que também é organizado pela empresa promotora do The Town, a Rock World, criada pelo empresário Roberto Medina e que faz parte de seu grupo de comunicação, o Dreamers
Quatro dos cinco headliners — Katy Perry, Mariah Carey, Travis Scott e Green Day — estiveram nas edições de 2022 ou 2024 do festival carioca, muitos com os mesmos shows e turnês. O excesso de nomes pop voltados para o público acima dos 30 anos reduziu o apelo para novas gerações e comprometeu a sensação de novidade.
Interlagos: o palco que ninguém (fora do automobilismo) ama, mas todos usam
O maior dos desafios, no entanto, está no local escolhido. O Autódromo de Interlagos, embora tenha se tornado o epicentro dos festivais paulistanos, ele não é exatamente querido pelo público. Localizado na zona sul da cidade, o espaço é de difícil acesso, pouco integrado ao cotidiano cultural da capital e carente de infraestrutura urbana adequada para receber centenas de milhares de pessoas.
Mas por que insistir em Interlagos? A resposta é simples: não há alternativas viáveis. O Jockey Club, antigo lar do Lollapalooza, foi abandonado por problemas com lama e reclamações da vizinhança. O Distrito Anhembi, que recebeu o Primavera Sound em 2022, recebeu uma reforma, mas não aceita um público do tamanho necessário.
Há ainda parques como o Ibirapuera, que têm limitações de espaço e exigem conciliação com áreas públicas. Estádios, por sua vez, não comportam palcos simultâneos sem sobreposição de som.
Especialistas apontam que, hoje, São Paulo não possui um espaço ideal para festivais de mais de 50 mil pessoas e, dessa forma, o Autódromo virou a única opção — por exclusão, não por preferência.
Análise GZM | Quando o palco não sustenta o espetáculo
O The Town 2025 escancarou uma verdade incômoda: São Paulo não está preparada para receber festivais do tamanho que sua população e relevância cultural merecem. A insistência em Interlagos — um espaço funcional, mas impopular — revela a falta de planejamento urbano e de visão estratégica por parte dos organizadores e gestores públicos.
Mais do que repetir atrações ou errar na precificação, o festival falha ao não oferecer uma experiência que dialogue com o cotidiano do público paulistano. A cultura de festivais precisa ser pensada além do palco: envolve acesso, infraestrutura, identidade e pertencimento.
Todos os detalhes e análises aqui levantados devem ser considerados com seriedade. O modelo atual, baseado em uma forma de “improviso” e exclusão de alternativas, dificilmente dará certo a longo prazo. São Paulo e o Brasil merecem mais. E o recado parece ter sido dado com o apelo reduzido do The Town 2025: não basta trazer grandes nomes — é preciso construir grandes experiências.