A relação das cidades com a água tem sido uma preocupação contemporânea. Questões como escassez e excesso de água — traduzidas em secas e inundações — exigem que os municípios não apenas se preocupem, mas também se organizem e se preparem adequadamente para enfrentar essas adversidades. Com base nessa preocupação, a UFRJ mantém um laboratório que, entre outras atividades, auxilia os municípios a lidarem de forma mais eficiente com as interações relacionadas às águas.
O Laboratório Água e Cidade (LAC), inaugurado em 2020 na Escola Politécnica da UFRJ, está situado no Centro de Tecnologia (CT), na Cidade Universitária. Ele nasceu da fusão do Laboratório de Hidrologia com o Laboratório de Hidráulica Computacional, em um contexto que já reconhecia a importância de integrar áreas como Engenharia, Arquitetura e Urbanismo para enfrentar os desafios de uma cidade moderna.
Nesse cenário, a água é compreendida não apenas como recurso ambiental essencial, mas também como referência histórica e cultural, elemento que marca a paisagem urbana, promove revitalização e deve ser pensada como eixo estruturador do planejamento das cidades.
O LAC conta com dois grupos de pesquisa: Gestão de Riscos de Cheias e Resiliência Urbana, que tem como proposta reunir, discutir e esclarecer a conceituação da gestão integral de riscos de desastres naturais e desenvolver metodologias com foco em desastres hidrológicos de inundações, enxurradas e alagamentos; e Manejo de Águas Pluviais Urbanas e Cidades Sustentáveis, que atua de forma integrada e transdisciplinar, abordando questões de uso e ocupação do solo, urbanismo, saneamento, controle de enchentes, habitação e recuperação fluvial, e envolvendo a construção de um projeto integrado de ação sobre o sistema de drenagem e sobre a paisagem urbana, com vistas ao controle de cheias urbanas e tendo a água como elemento de reestruturação da paisagem.
Planejando as cidades e oferecendo soluções para inundações e enchentes
Entre as atividades desenvolvidas pelo LAC, estão os termos de cooperação firmados com municípios para o planejamento e soluções para casos de abundância de água, como as inundações. Matheus Martins, professor do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Escola Politécnica, explica: “A gente trabalha aqui com duas frentes: uma é a parte de planejamento da interação cidade e água, principalmente na questão da grande quantidade de água, de inundações. Então, é pensar a cidade para que ela seja adaptada a isso. E uma outra frente é a frente de resolver um problema que já existe”.
Dentre os trabalhos que o grupo desempenha atualmente, está a cooperação com o município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O município é o maior da Baixada em extensão territorial e o segundo em população. Foi fundado às margens do Rio Iguaçu, de onde vem a inspiração para seu nome, e do Rio Botas. A região é conhecida por sofrer com os fenômenos hidrológicos de inundações e alagamentos.
É importante diferenciarmos os termos: enchentes ou cheias são eventos naturais caracterizados como a elevação do nível da água de um corpo hídrico (rio, lago, etc.) devido ao aumento da vazão em períodos de chuva. Quando o extravasamento de um corpo hídrico causa impactos diretos em cidades, chamamos de inundações. Alagamento é o acúmulo momentâneo de águas em determinados locais por deficiência no sistema de drenagem. Inundação é quando um volume de água ocupa uma área, construída ou não, sendo normalmente causada por uma combinação de eventos meteorológicos e hidrológicos.
Martins destaca a impermeabilização do solo e o alto índice de habitação como fatores determinantes para as inundações em Nova Iguaçu: “A urbanização gera um grande problema central: em áreas urbanizadas quase não há infiltração, e a água escoa com maior velocidade. Assim, os volumes chegam mais rapidamente às regiões mais baixas, provocando inundações. Como essas áreas estão totalmente ocupadas, mais pessoas ficam expostas, o que amplia os prejuízos”, afirma o professor. Esse quadro é agravado por fatores geográficos, já que o município está localizado em uma planície entre a Serra do Mar e a Baía de Guanabara.
Para realizar o mapeamento do problema, está sendo utilizada uma ferramenta desenvolvida pela própria Universidade. O índice de suscetibilidade do meio físico a inundações (ISMFI) é uma ferramenta aberta aos usuários e empresas que tiverem interesse em utilizá-la de maneira gratuita. Segundo Paulo Canedo, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), além de ser gratuita, a importância em utilizar uma ferramenta desenvolvida na própria Universidade está também em ter mais controle sobre a tecnologia.
O ISMFI é uma ferramenta de planejamento urbano que avalia a propensão de uma bacia hidrográfica ou área à inundação, utilizando indicadores como declividade do terreno, proximidade de cursos d’água, influência da maré e impermeabilização do solo. É utilizada em diversos órgãos, como a Prefeitura do Rio de Janeiro.
Juntamente ao índice, os profissionais realizam a modelagem hidrológica, estatística das chuvas da região, e a modelagem hidrodinâmica, que é o cálculo do quanto de água escoa e para que direção. A partir desses estudos, o grupo consegue entender a realidade da região e propor soluções direcionadas. As soluções podem ser de variados tipos, como direcionamento e planejamento de obras, sugestão de alargamento de rios, entre outras.
Os profissionais são capazes de calcular também quais impactos cada tipo de intervenção proporcionará ao seu entorno, inclusive em outros municípios. Canedo dá como exemplo que uma intervenção realizada no município de Duque de Caxias pode impactar em Nova Iguaçu (os municípios têm uma distância aproximada de 17 quilômetros) e a maioria das pessoas não consegue dimensionar isso. Os pesquisadores do Laboratório vêm trabalhando com o município de Nova Iguaçu neste projeto desde maio de 2025, mas conhecem a realidade do local há muito tempo.
Canedo integrou a equipe do Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia dos Rios Iguaçu-Sarapuí – Projeto Iguaçu, concluído em 1996. O projeto foi realizado pela Coppe e apresentou um conjunto de ações estruturais e não estruturais voltadas à redução da grandeza e da frequência de inundações nos municípios inseridos na bacia em estudo.
Pesquisa e inovação
Martins destaca que a universidade não é concorrente de empresas privadas neste tipo de atividade; pelo contrário, ela atua onde o mercado não é capaz de atuar: “A gente resolve o problema quando o mercado não está preparado para resolver, quando é uma questão que necessita de inovação ou é uma coisa muito complexa, como é a situação da Baixada Fluminense”, afirma o professor. Já para Canedo, o diferencial da universidade está também na capacidade de ser uma instituição isenta dos interesses políticos que possam envolver questões relacionadas aos municípios.
Os professores destacam que os contratos firmados com os municípios estão sempre vinculados a atividades de pesquisa, envolvendo alunos de graduação e pós-graduação. “Geralmente, os projetos acabam se tornando pesquisas científicas ou fornecendo subsídios para elas. Agora, por exemplo, teremos uma nova sede viabilizada por meio de um desses projetos. Grande parte dos recursos foi destinada à construção de uma nova sala para abrigar nossa equipe”, explica Martins.
O trabalho desenvolvido pela equipe é uma necessidade contemporânea, em uma época em que a urbanização, muitas vezes desordenada, é uma crescente. “Vivemos em uma região cada vez mais urbana e o problema com água, seja de inundação, seja por escassez, vai ficando cada vez mais agudo. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, são cada vez mais pessoas expostas, que vão alterando mais a bacia hidrográfica, maximizando o escoamento superficial, diminuindo a vazão de base dos rios, já que, quando a água não infiltra, ela não recarrega o lençol, fica com menos água na seca. Então, pesquisar essa interligação, montar ferramentas como modelos que consigam ajudar a dar soluções, fica cada vez mais importante”, afirma Martins.
Ele destaca ainda que esses problemas são intensificados pelas mudanças climáticas. Nesse contexto, pesquisar a interação entre água e cidades significa se preparar para o futuro.
O Laboratório Água e Cidade é constituinte da Cátedra da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em Drenagem Urbana e Regiões de Baixada Costeira. Segundo definição da Unesco, “uma cátedra é um projeto e uma equipe em uma universidade ou instituição de ensino superior ou pesquisa que estabelecem parceria com a Unesco para promover o conhecimento e a prática em uma área prioritária, tanto para a instituição quanto para a própria Unesco.
A parceria é formalizada por meio de um acordo assinado entre o diretor-geral da Unesco e o chefe da instituição que sedia a Cátedra (reitor, presidente, vice-reitor)”. A parceria faz do LAC uma referência no assunto na América do Sul e Caribe.
Além de várias cidades brasileiras, a equipe já realizou projetos em Riohacha, Colômbia; na região da Calábria, sul da Itália; e na cidade de Noale, no norte da Itália. Especificamente no Rio de Janeiro, já foram convidados a colaborar com vários municípios da Baixada Fluminense, na capital, além de Maricá, também na região metropolitana do estado e na cidade do Rio de Janeiro.
Além dos professores Paulo Canedo e Matheus Martins, integram o grupo Marcelo Miguez, professor do Programa de Engenharia Ambiental (PEA/UFRJ); Osvaldo Rezende, professor do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Escola Politécnica da UFRJ (Drhima-Poli/UFRJ; Aline Verol, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UFRJ), além de vários alunos de graduação, mestrado e doutorado e pesquisadores de pós-doutorado.