Outubro é um mês que convida à reflexão sobre o ciclo da vida. Com o Dia Internacional da Longevidade (1º/10) e o Dia das Crianças (12/10), o contraste entre futuro e presente se torna evidente — e, no Brasil, escancara um problema crônico: o planejamento tardio da aposentadoria. Segundo pesquisa nacional, 60% dos brasileiros só começam a se organizar financeiramente para a aposentadoria cinco anos antes de parar de trabalhar. Pior: 37% dos aposentados não fizeram qualquer planejamento, e mais da metade precisa continuar trabalhando para complementar a renda.
Impacto econômico e social da aposentadoria mal planejada
A falta de preparo financeiro não afeta apenas o indivíduo. Como alerta Ivecio Pedro Felisbino Filho, presidente da Celos, fundação de previdência complementar com sede em Santa Catarina, “o impacto repercute diretamente sobre os sistemas públicos, que já operam sob forte pressão demográfica e fiscal. A ausência de poupança previdenciária privada faz com que mais pessoas dependam exclusivamente do INSS, o que aumenta o déficit do sistema e reduz a capacidade do Estado de manter benefícios adequados”.
Atualmente, o Brasil possui cerca de 38 milhões de beneficiários do INSS, segundo dados da Secretaria de Previdência. O sistema, que já consome mais de R$ 800 bilhões por ano, enfrenta desafios crescentes com o envelhecimento da população. Estimativas do IBGE indicam que, até 2050, um em cada três brasileiros será idoso — o que exige uma reestruturação profunda da previdência e da cultura de planejamento financeiro.
Reforma da previdência em curso
Em 2025, o governo federal iniciou uma nova etapa da reforma da previdência, focada na revisão de regras de transição, ampliação da cobertura de regimes complementares e incentivo à previdência privada. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou: “Precisamos garantir que o sistema seja sustentável, justo e capaz de proteger os brasileiros no futuro. A reforma não é apenas fiscal — é social.” O presidente Lula também reforçou: “A aposentadoria deve ser um direito com dignidade, não um peso para o Estado nem uma angústia para o trabalhador”.
Cenário internacional: lições e contrastes
Nos Estados Unidos, uma pesquisa com investidores acima de 50 anos revelou que 73% estão preocupados com a volatilidade do mercado e seu impacto na renda de aposentadoria. A correção do mercado em abril de 2025, com queda de quase 19% no índice S&P 500, foi um alerta. “Mas aqueles que seguiram com suas posições foram recompensados, pois as ações recuperaram suas perdas antes do final de junho”, afirmou Matt Sommer, chefe do grupo de consultoria especializada da Janus Henderson, gestora de ativos global com mais de US$ 450 bilhões em ativos sob gestão. “As rápidas flutuações que os mercados vivenciaram até agora neste ano reforçam o papel fundamental dos consultores em ajudar os clientes a seguir um plano e gerenciar suas emoções para evitar decisões de investimento inoportunas”.
Na França, o aumento da idade mínima de aposentadoria gerou protestos. No Japão, onde mais de 30% da população é idosa, o governo promove aposentadoria ativa e educação previdenciária desde cedo. No México, reformas recentes aumentaram contribuições obrigatórias e estimularam planos complementares. Em todos os casos, o planejamento individual é visto como parte da sustentabilidade coletiva.
Além da renda, o impacto emocional da aposentadoria é profundo. “A perda do papel profissional, da rotina e das interações diárias com colegas pode gerar uma sensação de vazio, perda de identidade e até sintomas de depressão”, explica Ivecio. Dados do IBGE mostram que cerca de 13% da população entre 60 e 64 anos convive com depressão — muitas vezes agravada por insegurança financeira e isolamento social.
Educação financeira desde cedo: a chave para mudar o futuro
Especialistas defendem que o planejamento deve começar na infância. Pequenos aportes mensais, como R$ 50, podem se transformar em grandes reservas ao longo do tempo, graças ao efeito dos juros compostos. “Precisamos traduzir isso em histórias reais e ensinar paciência, constância e visão de longo prazo”, diz Ivecio.
Em países como o Japão e o Canadá, a aposentadoria é ensinada como projeto de vida desde cedo. No Brasil, essa mudança cultural ainda está em curso. “Falar em aposentadoria é, para muitos, falar em fim, quando na verdade é um novo começo”, conclui Ivecio. “Planejar é mais do que acumular recursos — é preparar-se para uma nova forma de viver, com novas referências de pertencimento, tempo e significado”.
Para saber mais sobre a pesquisa e sobre o contexto do setor, leia a seguir a entrevista completa de Ivecio Pedro Felisbino Filho, Presidente da Celos, em conversa exclusiva com a GZM. Confira:
GZM: Quais são os principais fatores que levam os brasileiros a adiar o planejamento da aposentadoria?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: O principal fator é cultural. Ainda temos uma mentalidade de curto prazo, fortemente influenciada por um contexto histórico de instabilidade econômica, em que o “viver o hoje” sempre pareceu mais seguro do que pensar no amanhã. Soma-se a isso o baixo nível de educação financeira no país, a dificuldade de compreender os mecanismos de poupança de longo prazo e a crença de que o Estado ou o empregador serão os provedores naturais da aposentadoria.
Outro ponto importante é que o tema “envelhecer” ainda é tratado com certo desconforto. Falar em aposentadoria é, para muitos, falar em fim, quando na verdade é um novo começo. Esse olhar equivocado faz com que as pessoas adiem o planejamento e só se preocupem quando percebem que o tempo está curto — o que torna o desafio muito maior, tanto do ponto de vista financeiro quanto emocional.
GZM: Como o planejamento tardio impacta a saúde mental e emocional dos aposentados?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: A aposentadoria é uma das transições mais delicadas da vida adulta. Quando ela acontece sem preparo, o impacto emocional pode ser devastador. A perda do papel profissional, da rotina e das interações diárias com colegas pode gerar uma sensação de vazio, perda de identidade e até sintomas de depressão. Muitos aposentados relatam sentir-se “invisíveis” ou “sem propósito” depois de deixarem o mercado de trabalho.
Além disso, a falta de estabilidade financeira gera insegurança e ansiedade. É comum vermos pessoas que, ao se aposentarem, percebem que o benefício não cobre suas necessidades e precisam retornar ao trabalho, nem sempre em condições ideais. Planejar é mais do que acumular recursos — é preparar-se para uma nova forma de viver, com novas referências de pertencimento, tempo e significado.
GZM: De que forma a falta de preparo financeiro pressiona os sistemas públicos de saúde e previdência?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: Quando o indivíduo não se prepara financeiramente, o impacto não se limita à esfera pessoal. Ele repercute diretamente sobre os sistemas públicos, que já operam sob forte pressão demográfica e fiscal. A ausência de poupança previdenciária privada faz com que mais pessoas dependam exclusivamente do INSS, o que aumenta o déficit do sistema e reduz a capacidade do Estado de manter benefícios adequados.
Na saúde, a situação é semelhante: idosos sem reserva financeira têm menos acesso à prevenção, o que gera maior demanda por tratamentos de alta complexidade no sistema público. Em outras palavras, o planejamento individual é também uma forma de sustentabilidade coletiva. Países com maior cultura previdenciária possuem sistemas públicos mais equilibrados e cidadãos mais saudáveis — porque o planejamento financeiro anda junto com o cuidado com a saúde e o bem-estar.
GZM: Quais políticas públicas poderiam incentivar o planejamento previdenciário desde a juventude?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: O ponto de partida é a educação. É preciso incorporar a educação financeira e previdenciária nos currículos escolares, de forma prática, conectada à vida real. Não basta ensinar fórmulas ou conceitos abstratos — é necessário mostrar às crianças e jovens como pequenas escolhas de hoje impactam a vida de amanhã. Além disso, as empresas e instituições podem criar mais mecanismos de incentivo, como contribuições complementares para jovens que aderirem a planos de previdência privada ou e o Estado pode ajudar implementando isenções tributárias mais atrativas para aportes de longo prazo.
Também é fundamental investir em campanhas públicas que desmistifiquem a aposentadoria, mostrando que esse planejar não é sinônimo de envelhecer, mas de conquistar liberdade. Em países como o Japão e o Canadá, a noção de aposentadoria como “projeto de vida” é ensinada desde cedo — e isso faz toda a diferença.
GZM: Como o efeito dos juros compostos pode ser melhor compreendido e utilizado pela população?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: Os juros compostos são o coração da previdência e, paradoxalmente, um dos conceitos mais simples e menos compreendidos. Trata-se da ideia de que o rendimento também passa a render, criando um ciclo virtuoso de crescimento. O tempo, nesse caso, é o grande multiplicador. Um pequeno valor aplicado com regularidade por 30 anos pode gerar um resultado extraordinário — maior até do que aportes muito maiores feitos tardiamente.
O problema é que a linguagem financeira costuma ser técnica e distante. Precisamos traduzir os juros compostos em histórias reais: mostrar como o hábito de investir desde cedo é capaz de construir independência. É um conceito matemático, sim, mas também psicológico. Ele ensina paciência, constância e visão de longo prazo — virtudes cada vez mais raras em uma sociedade imediatista.
GZM: Que papel as empresas e fundos de pensão podem desempenhar na educação previdenciária?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: Um papel absolutamente estratégico. As empresas e os fundos de pensão têm acesso direto aos trabalhadores e podem transformar a previdência em uma jornada de aprendizado contínuo. Isso significa oferecer não apenas planos, mas também orientação, educação e estímulo à reflexão sobre o futuro.
Na Celos, por exemplo, temos buscado justamente essa integração: promover conversas francas sobre longevidade, sustentabilidade financeira e qualidade de vida. Quando se entende o propósito por trás da previdência, a pessoa deixa de vê-la como um desconto no contracheque e passa a enxergá-la como um investimento em liberdade. Fundos de pensão têm a responsabilidade de traduzir números em sentido — e esse é o verdadeiro valor educacional.
GZM: O que é o programa ConectaPrev e como ele está auxiliando o planejamento previdenciário?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: O ConectaPrev é uma iniciativa da Celos que reconhece que a aposentadoria vai muito além do aspecto financeiro. É um programa integral de preparação para essa nova etapa da vida, que envolve dimensões emocionais, sociais e de identidade. Ele oferece uma jornada estruturada com palestras, rodas de conversa, atendimentos individuais, atividades de saúde, apoio psicológico e conteúdos digitais de orientação.
Nosso objetivo é que cada participante se sinta protagonista da sua transição. Queremos que a aposentadoria seja um processo de construção, e não de ruptura. Desde seu lançamento, o ConectaPrev tem mostrado bons resultados: participantes mais conscientes, mais seguros e mais otimistas em relação ao futuro. Em síntese, o programa transforma a aposentadoria em um recomeço — com acolhimento, propósito e qualidade de vida.
GZM: Quais são os principais desafios para incluir aspectos emocionais e sociais no planejamento da aposentadoria?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: O primeiro desafio é vencer a resistência cultural. O planejamento financeiro é importante, mas o que realmente sustenta uma vida longa e feliz são as conexões humanas, os hábitos saudáveis e o senso de propósito. Trabalhar essas dimensões exige sensibilidade, tempo e profissionais preparados — algo que nem todas as organizações estão estruturadas para oferecer.
Outro desafio é criar espaços de diálogo. Muitos futuros aposentados não têm com quem falar sobre seus medos ou expectativas. O ConectaPrev tem atuado também nesse ponto: criando um ambiente de confiança, onde o participante pode se preparar emocionalmente, compartilhar experiências e redesenhar seu projeto de vida. É um trabalho de humanização da previdência — e isso muda tudo.
GZM: Como a cultura do consumo imediato interfere na capacidade de poupar para o futuro?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: Vivemos um tempo em que o consumo é uma forma de expressão pessoal. As pessoas compram não apenas produtos, mas também pertencimento e status. Esse comportamento, alimentado por uma economia digital de estímulos constantes, mina a capacidade de pensar no longo prazo. O crédito fácil, as compras parceladas e a busca por prazer instantâneo competem diretamente com o ato de poupar.
No entanto, precisamos reaprender a esperar — a entender que abrir mão de um prazer agora pode significar liberdade no futuro. Quando compreendemos que investir em previdência é, na verdade, investir em qualidade de vida, a mentalidade muda. A previdência precisa ser reposicionada não como renúncia, mas como conquista.
GZM: Que estratégias podem ser adotadas para tornar o tema da aposentadoria mais presente na vida dos jovens?
Ivecio Pedro Felisbino Filho: A chave é mudar a narrativa. É preciso comunicar que previdência não é sobre envelhecer — é sobre liberdade, autonomia e propósito. As novas gerações valorizam flexibilidade e experiências, e o planejamento previdenciário pode ser apresentado justamente como um instrumento que garante essas possibilidades no futuro.
Entre as alternativas podemos usar linguagem moderna, recursos digitais e gamificação, além de integrar o tema às redes sociais e ao ambiente educacional. Também é importante mostrar exemplos reais: jovens que começaram cedo e colheram os frutos do tempo e da disciplina. A Celos, por meio do Prev+, seu plano instituído aberto, tem buscado justamente isso — oferecer um produto acessível a qualquer pessoa, com valores a partir de R$ 50, e uma proposta de futuro tangível. O desafio é cultural, mas a oportunidade é enorme: falar de previdência como se fala de sonhos.