Todos os anos, quando se inicia o Debate Geral da Assembleia Geral da ONU, é o Brasil quem sobe primeiro à tribuna. A cena já se tornou tradição diplomática: o presidente brasileiro abre oficialmente os discursos dos chefes de Estado e governo, seguido pelo presidente dos Estados Unidos, país anfitrião da organização. Mas por que essa ordem se repete há décadas?
Uma tradição diplomática, não uma regra
Ao contrário do que muitos imaginam, não existe uma norma formal que determine que o Brasil deva ser o primeiro a falar. Trata-se de uma prática consolidada ao longo do tempo, com raízes históricas e simbólicas. Desde 1955, o Brasil tem sido o primeiro país a discursar na Assembleia Geral da ONU, com raras exceções motivadas por atrasos ou ajustes de agenda.
Segundo registros da própria ONU e análises históricas, essa tradição começou porque, nos primeiros anos da organização, nenhum país queria ser o primeiro a falar — por receio de se posicionar antes dos grandes blocos da Guerra Fria. O Brasil se voluntariou e, com o tempo, esse gesto foi reconhecido como sinal de neutralidade e equilíbrio.
O papel de Oswaldo Aranha
Outra explicação amplamente aceita é o reconhecimento ao diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, que presidiu a Primeira Sessão Especial da Assembleia Geral em 1947. Na ocasião, Aranha teve papel decisivo na condução do processo que levou à criação do Estado de Israel. Sua atuação diplomática foi tão relevante que chegou a ser cogitado para o Prêmio Nobel da Paz.
Privilégio estratégico
Discursar primeiro na Assembleia Geral é mais do que uma honra simbólica — é uma oportunidade estratégica. O Brasil costuma usar esse espaço para apresentar uma visão ampla da conjuntura internacional, abordando temas como desenvolvimento sustentável, combate à fome, reforma das instituições multilaterais e defesa da paz.
Em 2011, por exemplo, a então presidente Dilma Rousseff se tornou a primeira mulher na história a abrir o Debate Geral da ONU, reforçando o papel do Brasil como voz ativa no multilateralismo.
O Brasil e o multilateralismo
A tradição também reflete a confiança que a comunidade internacional deposita na diplomacia brasileira, historicamente reconhecida por sua capacidade de mediação e construção de consensos. Embora o Brasil não tenha assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, sua posição de abertura nos discursos é vista por alguns analistas como uma espécie de “prêmio de consolação” pela relevância regional e histórica do país.
Discursar primeiro na Assembleia Geral da ONU é, portanto, resultado de uma combinação de tradição, respeito diplomático e protagonismo histórico. Em um mundo cada vez mais polarizado, o gesto continua a representar a importância do diálogo e da construção coletiva — valores que o Brasil, ao menos simbolicamente, ajuda a manter vivos no cenário internacional.