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Quais cuidados tomar com compras parceladas em 12x “sem juros”, que podem comprometer o orçamento no próximo ano?

Wallace Ferreira é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP® (Certified Financial Planner), concedida pela Planejar - Associação Brasileira de Planejamento Financeiro

As vitrines nos seduzem diariamente com o famoso “12x sem juros”. O consumidor foca na parcela que cabe no bolso e a compra parece inofensiva. Esse é o Efeito Anchoring, um viés comportamental que mascara o real peso da decisão. O problema é que a repetição desse hábito não compromete só o presente, mas também hipoteca o futuro. Num cenário de inflação instável e juros elevados, o parcelamento pode virar uma armadilha que engessa o orçamento. Não se trata de evitar ofertas, mas de comprá-las com estratégia.

Muito se fala sobre o acúmulo de parcelas no orçamento, mas o risco maior não é apenas o valor das prestações. É a perda da flexibilidade financeira diante de um futuro incerto. Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), 78% das famílias brasileiras estão endividadas, e 85% dessas dívidas estão ligadas ao cartão de crédito. O que parece um “pequeno valor mensal” se torna, no conjunto, o motor do endividamento crônico do país.

Cuidados além do óbvio

No planejamento financeiro, é importante estar atento a alguns cuidados além do óbvio. Primeiramente, a taxa de oportunidade camuflada é um fator que muitas vezes passa despercebido. Cada parcela futura é, na verdade, um passivo. O dinheiro que poderia ser destinado a investimentos acaba sendo desviado, o que resulta em uma perda de rendimento, especialmente em um cenário em que a Selic ainda proporciona um retorno real. Além disso, há a falsa sensação de estabilidade, já que um planejamento para 2025, por exemplo, é apenas uma fotografia do momento, enquanto 2026 será o filme que mostrará os impactos ao longo do tempo. Emergências médicas, reparos inesperados ou até mesmo uma queda na renda não negociam com parcelas fixas, o que pode reduzir a resiliência financeira e transformar imprevistos em crises.

Outro ponto crucial é o cenário econômico, que está em transição e, por isso, exige maior atenção. Desaceleração econômica ou desemprego são fatores que podem atingir duramente as famílias. Assumir compromissos financeiros de longo prazo sem considerar essas variáveis é como navegar sem olhar para a tempestade que se aproxima. Além disso, o parcelamento frequentemente ignora a sazonalidade dos gastos. Ao parcelar uma compra, logo se enfrentará meses com despesas extras, como festas, viagens, impostos ou escola, o que pode desajustar o fluxo de caixa, mesmo que no presente a compra caiba no orçamento.

Para agir de forma inteligente diante desses desafios, uma boa prática é realizar um teste de estresse orçamentário. Para isso, projete os próximos 12 meses, some as parcelas existentes e adicione as novas. Em seguida, simule uma queda de 10% a 20% na sua renda. Se o orçamento não suportar essa simulação, a compra deve ser evitada. Outra regra importante é a dos 15%: todas as parcelas, incluindo empréstimos, não devem ultrapassar 15% da renda líquida. Caso esse limite seja ultrapassado, a agilidade financeira fica comprometida.

O parcelamento reverso é uma estratégia que pode transformar o conceito de dívida em planejamento. Em vez de usar o cartão de crédito, é preferível pagar à vista, utilizando uma reserva ou poupança acumulada, e depois depositar o valor correspondente mensalmente de volta na reserva ou em um investimento de alta liquidez. Dessa forma, se surgir algum imprevisto, basta interromper o aporte sem o risco de inadimplência. Assim, a dívida deixa de ser um fardo e passa a ser parte de uma estratégia financeira organizada.

Por fim, vale lembrar que o parcelamento é parte da cultura brasileira e pode ser útil, desde que usado com consciência. As “12x sem juros” não são vilãs, mas exigem respeito: são ferramentas de consumo, não de planejamento. A reflexão central não é “em quantas vezes posso pagar?”, mas sim, “qual estratégia preserva meu capital e minha paz de espírito no longo prazo?”.

A verdadeira riqueza não está no parcelamento de desejos imediatos, mas na preservação da capacidade de escolha no futuro. Invista na sua flexibilidade financeira: hoje, ela é o ativo mais valioso que você pode ter.

Contatos com o autor: w.lferreira20@gmail.com

As respostas refletem as opiniões do autor e não da Gazeta Mercantil Digital ou da Planejar. O veículo e a Planejar não se responsabilizam pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. Perguntas devem ser encaminhadas para: redacao@gazetamercantil.digital

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