A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) se colocou no centro de uma polêmica que tem mobilizado a sociedade e autoridades do Pará. O motivo é a proibição, por parte da organização do evento, de pratos e ingredientes típicos da culinária paraense, como açaí, tucupi e maniçoba, nos restaurantes e quiosques das zonas oficiais do evento.
A medida, contida em um edital da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), foi recebida com “surpresa e incredulidade”, gerando uma nota de repúdio por parte de entidades que representam o setor.
Uma das respostas à proibição veio em uma nota assinada coletivamente por representantes de diversas instituições importantes da economia local, como a Federação das Indústrias do Pará (FIEPA), Fecomércio do Pará, Associação Paraense de Supermercados (APAS) e representações locais do Sebrae e Abrasel, dentre outras.
A nota menciona um “completo desconhecimento e preconceito cultural com a região amazônica”. A decisão, dessa forma, parece ter atingido o coração da cultura e da economia local, excluindo, como a nota afirma, “milhares de pequenos produtores amazônicos do evento e atentando contra os princípios da própria Carta das Nações Unidas, que prega o progresso social”.
A nota também ressalta que os produtos, de origem natural da diversidade da Floresta Amazônica, são consumidos diariamente por milhões de pessoas no Brasil e no mundo, sendo exportados para países como Estados Unidos, Japão e União Europeia.
As entidades signatárias da nota de repúdio enfatizaram que a gastronomia paraense tem origem ancestral e indígena e que os alimentos, como açaí, tucupi e maniçoba, são símbolos da identidade amazônica.
Além disso, as entidades ainda argumentam que a preocupação com a segurança alimentar não se sustenta, pois os produtores locais são fiscalizados e certificados por órgãos reguladores estaduais e municipais, que garantem a qualidade e a segurança dos produtos.
Análise GZM
A realização da COP30 em Belém representa mais do que uma conferência sobre mudanças climáticas — é um encontro simbólico entre o universal e o particular, entre o protocolo internacional e a pulsante identidade amazônica. E é justamente nesse cruzamento que surge o desafio em torno dos alimentos: como integrar a cultura local de forma genuína, sem reduzi-la a um cenário exótico ou a um obstáculo logístico?
Belém, como se sabe, não é apenas uma cidade-sede. É um território de ancestralidade, biodiversidade e resistência. Sua cultura, profundamente enraizada nas tradições indígenas e ribeirinhas, se expressa em cada canto, cada prato, cada gesto.
Quando a COP30 escolhe a Amazônia como palco, ela assume implicitamente o compromisso de reconhecer e valorizar essa riqueza. No entanto, decisões como o veto a alimentos típicos revelam uma desconexão preocupante.
Ao contrário do que muitos podem pensar, a exclusão desses alimentos não é uma questão trivial. A GZM conversou com especialistas e confirmou que isso pode sim ser considerado um ato simbólico de desqualificação da cultura local, transformando o anfitrião em espectador.
A culinária paraense, reconhecida internacionalmente, é uma das mais autênticas expressões da relação entre o povo e a floresta. Ao proibir seus sabores, o evento global falha em construir pontes e reforça barreiras. E a integração cultural não se faz com tolerância passiva, mas com incorporação ativa — com respeito, escuta e celebração.
A COP30 tem o potencial de ser um marco na luta climática, mas só será verdadeiramente transformadora se for também um espaço de escuta. A comunidade local não pode ser reduzida a fornecedora de infraestrutura.
Ela deve ser protagonista, contribuindo com sua visão de mundo, suas soluções e sua sabedoria ancestral. A tecnologia brasileira, por exemplo, já mostra caminhos inovadores para enfrentar a crise climática. Da mesma forma, a culinária amazônica é uma manifestação concreta de sustentabilidade — baseada em ingredientes nativos, em práticas de manejo tradicional e em respeito à floresta.
A verdadeira inclusão exige flexibilidade, sensibilidade e coragem para romper com qualquer protocolo e a COP30 em Belém é uma oportunidade única de mostrar que é possível fazer diferente — que é possível construir um evento onde o global não apague o local, mas o amplifique.
Podemos imaginar que a COP30 será lembrada não apenas pelas decisões políticas que forem tomadas, mas pela forma como tratou sua anfitriã. Belém tem muito a ensinar ao mundo — sobre biodiversidade, sobre convivência com a natureza, sobre resistência cultural.
Cabe aos organizadores e participantes escutarem com atenção, integrar com respeito e celebrar com autenticidade. Porque proteger o planeta começa por valorizar quem já vive em harmonia com ele.
A GZM, por sua vez, se junta às entidades paraenses em expressar repúdio pela proibição anunciada, esperando que o bom senso prevaleça e que a medida possa ser revista. Um bom exemplo, como sabemos, vale mais que mil palavras.

Atualização em 18/08/2025:
A Organização dos Estados Ibero-americanos voltou atrás e liberou a venda de açaí, tucupi, maniçoba, sucos de fruta in natura e outros pratos e ingredientes típicos da culinária paraense nos espaços oficiais da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontece entre os dias 10 e 21 de novembro, em Belém.
Os alimentos paraenses estavam barrados no texto anterior sob o argumento de que possuem alto teor de contaminação, o que gerou muitas críticas.
O recuo aconteceu após atuação do governo federal, por meio do ministro do Turismo, Celso Sabino, que se reuniu com chefes de cozinha para garantir a oferta da culinária paraense.
O ministro Celso Sabino destacou que Belém é reconhecida como cidade criativa da Gastronomia pela Unesco e que este ano recebeu o prêmio pela publicação na maior editora de guias de viagem do mundo, como única cidade brasileira entre as 10 melhores gastronomias do mundo.
Também em nota, a organização da COP30 esclareceu que as recomendações do edital são exclusivas para espaços da conferência, não abrangendo outros locais do município de Belém ou do estado do Pará.