O mercado de comunicação passou por transformações profundas nas últimas décadas. Avançamos em métricas, tecnologias e formatos. Ainda assim, persiste uma lacuna crucial: compreender como o cérebro humano seleciona, processa e transforma mensagens em decisões.
Em um cenário marcado pelo excesso de estímulos e pela constante disputa pela atenção, apenas comunicar já não é suficiente. É preciso gerar conexão de forma prática, relevante e, acima de tudo, com humanidade. Nesse processo, a neurociência se apresenta como uma parceira estratégica indispensável.
Um dos estudos mais citados sobre o tema vem de Gerald Zaltman, professor da Harvard Business School, autor do livro How Customers Think, que mostra que mais de 95% das decisões de compra são tomadas de forma inconsciente. Isso significa que reagimos às mensagens muito antes de racionalizá-las. Marcas que entendem como o cérebro responde a estímulos visuais, simbólicos e emocionais tendem não apenas a vender mais, mas a se tornarem memoráveis.
A estética também cumpre um papel importante nesse processo. O cérebro humano evoluiu para economizar energia, descartando rapidamente mensagens confusas ou complexas. Por isso, peças visuais que combinam simplicidade e beleza tendem a ser bem processadas, gerando retenção e encantamento. O engajamento genuíno nasce da união entre relevância e surpresa: quando o conteúdo quebra expectativas de forma emocional, ativa regiões ligadas à empatia e ao sistema de recompensa.
Embora intuitiva, essa lógica já orienta algumas campanhas de destaque. A Apple, por exemplo, ao promover imagens de iPhones por usuários comuns, deslocou o foco do produto para as pessoas — e ativou gatilhos cerebrais potentes, como o senso de pertencimento. O resultado foi uma conexão mais profunda com o público, sustentada por reconhecimento e identificação.
Mas o crescente interesse pelo tema também trouxe distorções. A popularização dos chamados “gatilhos mentais”, como escassez, urgência e prova social, alimentou um uso mecânico da neurociência no marketing, sobretudo no mercado de infoprodutos. A promessa de manipulação quase mágica do comportamento ignora um ponto central: o cérebro percebe a intenção por trás da mensagem.
Estudos mostram que, diante de conteúdos oportunistas, a amígdala, responsável pelo sistema de alerta, é ativada. Já campanhas com propósito claro e conexão genuína ativam o córtex pré-frontal medial, área associada à empatia e à tomada de decisões em ambientes de confiança. Mesmo sem perceber, o consumidor sente essa diferença.
Outro ponto relevante é a construção da memória de longo prazo. Desde os anos 1990, pesquisas lideradas pelo neurocientista Antonio Damasio mostram que a emoção é decisiva para consolidar memórias duradouras. Marcas que conseguem criar picos emocionais dentro de uma narrativa consistente tornam-se mais presentes na lembrança afetiva do público. É o que faz, por exemplo, a LEGO, que constrói uma narrativa ao estimular a imaginação e a criatividade, associando seus produtos a momentos de diversão e aprendizado que marcam a infância e permanecem vivos na memória dos consumidores por toda a vida
O segmento de luxo também entende esse mecanismo. Ao construir narrativas baseadas em identidade, legado e pertencimento, essas marcas ativam ao mesmo tempo o sistema límbico (ligado à emoção) e o córtex pré-frontal (ligado ao desejo e à escolha), fortalecendo o valor simbólico da experiência.
Por outro lado, o cérebro tende a “desligar” diante de mensagens repetitivas, irrelevantes ou genéricas. Ainda que o olhar permaneça fixo, o córtex pré-frontal desprioriza estímulos que não oferecem recompensa ou risco, realocando energia para outras atividades.
Em um cenário onde algoritmos definem cada vez mais o que vemos, a neurociência nos lembra que, por trás das telas, há pessoas. Aplicá-la com responsabilidade é um passo importante para amadurecer o setor de comunicação. Afinal, decisões inconscientes não devem ser tratadas como atalhos para manipulação, mas como oportunidades de estabelecer vínculos autênticos e duradouros.
Se o objetivo é ser lembrado, precisamos compreender como o cérebro constrói vínculos e memórias. E isso talvez comece a direcionar menos nossas palavras aos algoritmos — e mais às pessoas reais que sentem, pensam e escolhem do outro lado da tela.