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Monitoramento remoto no Itaú reacende debate sobre limites da tecnologia, direitos trabalhistas e teletrabalho

Especialistas opinam sobre a medida que abre novos focos de discussão sobre as relações do trabalho na Nova Economia

O anúncio recente do Banco Itaú sobre a adoção de sistemas de monitoramento remoto de seus funcionários reacendeu uma discussão sensível no mundo corporativo brasileiro: até que ponto a busca por eficiência pode comprometer os direitos dos trabalhadores? 

A medida repercutiu nas redes e na imprensa em geral, muitas vezes lembrando que as demissões ocorreram num cenário de lucros robustos da instituição e um retorno sobre o patrimônio (ROE) superior a 23%, colocando o maior banco privado do país em cheque pelo uso de uma estratégia mais rígida de controle digital. 


Monitoramento digital e demissões: onde está o limite?

A medida, que inclui o rastreamento de cliques e atividades online dos colaboradores em regime de home office, foi acompanhada por demissões em massa sob a justificativa de “baixa produtividade”. A prática levanta questionamentos éticos e legais, especialmente em um contexto de alta lucratividade da instituição.

Para Bia Nóbrega, especialista em desenvolvimento humano e organizacional e autora de vários livros na área de gestão de pessoas, “do ponto de vista organizacional, era o que tinha de ser feito. Se as pessoas estão desviando o comportamento daquilo que é esperado, o recado precisa ser dado”.

Para a advogada Daniela Correa, especialista em Direito Empresarial e Compliance, o episódio sinaliza riscos sérios para empresas que adotam esse tipo de controle sem regulamentação clara.

“Monitorar cliques, acessos e comportamentos digitais de funcionários pode até parecer uma estratégia de gestão, mas, se não houver base legal clara, consentimento adequado e proporcionalidade, pode gerar violação tanto da legislação trabalhista quanto da LGPD”, afirma.

Segundo Daniela, o problema vai além da privacidade: “No campo trabalhista, a utilização de dados digitais como critério para demissões pode ser interpretada como prática abusiva ou discriminatória, especialmente se não houver comunicação prévia sobre os parâmetros de monitoramento. Isso pode gerar passivos ocultos significativos para a empresa, inclusive com pedidos de indenização por danos morais”.


Compliance e governança: o alerta para o setor corporativo

O caso do Itaú expõe a urgência de políticas internas claras e alinhadas à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

“As empresas precisam comunicar os colaboradores de forma transparente e garantir que a coleta e uso de dados estejam alinhados às exigências da LGPD. Do contrário, abrem margem não apenas para ações trabalhistas, mas também para sanções da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)”, alerta Daniela.

A especialista reforça que o avanço tecnológico precisa caminhar lado a lado com governança jurídica: “O que parece inovação em curto prazo pode virar um passivo bilionário no médio e longo prazo se não estiver juridicamente bem estruturado.”

Mas, para Cláudia Securato, advogada trabalhista, palestrante e mentora, “o pano de fundo principal para discussão desse tema é a volta ou não para o trabalho presencial”, ponto reforçado por Bia Nóbrega: “O fato de todos terem sido desligados juntos reforça o que é esperado: produtividade e engajamento independente do modelo de trabalho”. 


Eficiência versus garantias trabalhistas

A decisão do Itaú reacende também a disputa entre defensores do trabalho presencial e do home office. Em um ambiente de incerteza econômica, cresce a pressão por resiliência e produtividade — mas especialistas alertam que essa busca não pode atropelar garantias básicas dos funcionários.

A adoção acelerada de tecnologias de monitoramento, sem governança adequada, pode gerar o efeito contrário ao desejado: queda de confiança, deterioração do clima organizacional e aumento da judicialização.


O que dizem os estudos sobre home office?

O trabalho remoto deixou de ser uma solução emergencial da pandemia para se consolidar como um modelo desejado e eficaz — tanto para empresas quanto para funcionários. É o que revela a terceira edição da pesquisa Percepções sobre o Trabalho em Home Office ou Híbrido, conduzida durante o ano de 2024 pelo Grupo de Pesquisas sobre Gestão Estratégica de RH da FEA-USP e da FIA Business School.

Segundo o professor André Fischer, coordenador do estudo, “aquilo que foi uma medida provisória na época da pandemia está se mostrando agora uma alternativa que pode atender aos interesses das pessoas e das empresas que estão em busca de mão de obra qualificada”.

Principais achados da pesquisa

  • 94% dos entrevistados afirmaram que sua vida melhorou com o modelo híbrido de trabalho.
  • A maioria já possui estrutura adequada em casa e considera o home office compatível com a vida familiar.
  • O modelo híbrido — com dois ou três dias de trabalho remoto por semana — tornou-se norma em diversos setores, especialmente no de serviços.
  • Funcionários relatam melhoria na qualidade de vida, desempenho profissional e relação com gestores.

Fischer aponta que o trabalho híbrido tende a se expandir nos próximos anos, com empresas investindo em ferramentas e políticas para gerenciar equipes à distância. Para os trabalhadores, a flexibilidade e autonomia ganham protagonismo, ampliando o poder de negociação e permitindo que escolham empresas com modelos mais alinhados às suas necessidades.

Além disso, o home office pode contribuir para a redução do desemprego, ao permitir contratações em diferentes regiões e ampliar o acesso a talentos qualificados.

Apesar dos benefícios, o professor ressalta que o trabalho remoto não é uma solução universal. A escolha do modelo ideal depende da natureza das atividades, da cultura organizacional e das necessidades dos colaboradores. O importante é que, com base nos dados, o home office deixou de ser exceção e passou a ser uma ferramenta estratégica de gestão de pessoas.


Casos do teletrabalho no serviço público

Segundo estudo publicado na Revista Cadernos EBAPE.BR, o modelo remoto tem potencial para transformar a gestão pública, mas exige atenção redobrada à cultura organizacional, à liderança e à estrutura normativa.

A pesquisa aponta que o teletrabalho pode gerar ganhos significativos de produtividade, redução de custos operacionais e maior satisfação dos servidores. Nos órgãos públicos pesquisados, Receita Federal e Serpro, que adotaram o modelo com planejamento e suporte tecnológico, houve melhora na entrega de serviços e maior autonomia dos profissionais.

Além disso, o trabalho remoto contribui para a descentralização das atividades, permitindo que servidores atuem fora dos grandes centros urbanos, o que pode favorecer a inclusão regional e a retenção de talentos.

Apesar dos benefícios, o estudo alerta para obstáculos importantes. A ausência de contato presencial pode dificultar a supervisão direta, exigindo novos modelos de liderança baseados em confiança, metas claras e comunicação eficiente.

Outro ponto crítico é a resistência cultural. Muitos gestores ainda associam presença física à produtividade, o que pode gerar conflitos na implementação do teletrabalho. A falta de regulamentação uniforme também contribui para insegurança jurídica e desigualdade entre órgãos.

Para que o teletrabalho seja efetivo no setor público, é necessário investir em capacitação, infraestrutura digital e políticas claras de avaliação de desempenho. O estudo destaca que a adoção do modelo deve ser acompanhada por mecanismos de accountability e transparência, garantindo que os resultados sejam mensuráveis e alinhados ao interesse público.


Análise GZM

A crescente adoção de tecnologias de monitoramento no ambiente corporativo, como evidenciado pelo caso recente do Itaú, exige mais do que decisões técnicas — demanda um diálogo aberto e contínuo sobre os limites éticos, legais e humanos que envolvem o trabalho contemporâneo. 

Em um cenário onde produtividade e eficiência são metas centrais, é fundamental que empresas não percam de vista os pilares que sustentam relações saudáveis com seus colaboradores: transparência, respeito à privacidade e construção de confiança.

Do ponto de vista trabalhista, o uso de dados digitais como critério para avaliação ou desligamento de funcionários precisa estar amparado por regulamentações claras, comunicação prévia e proporcionalidade. A ausência desses elementos pode configurar práticas abusivas, gerar passivos jurídicos e comprometer a reputação institucional. 

Já sob a ótica da privacidade, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece diretrizes rigorosas para coleta e uso de informações pessoais, exigindo consentimento e finalidade legítima. Ignorar esses princípios pode expor empresas a sanções severas e à perda de credibilidade.

No entanto, mais do que evitar riscos legais, o verdadeiro antídoto contra a improdutividade não está em softwares de rastreamento, mas na cultura organizacional. Empresas que cultivam ambientes de pertencimento, propósito e reconhecimento tendem a obter resultados mais consistentes — seja no escritório, seja no home office. 

Quando os colaboradores compreendem e compartilham os objetivos estratégicos da organização, o engajamento se torna espontâneo, e a produtividade deixa de ser uma métrica imposta para se tornar uma consequência natural.

A tecnologia pode ser uma aliada poderosa, mas jamais substitui o papel da liderança humana. O desafio das empresas modernas é equilibrar inovação com empatia, controle com autonomia, e resultado com respeito. Manter esse diálogo aberto — técnico, jurídico e cultural — é o que permitirá que organizações prosperem de forma sustentável, construindo não apenas metas alcançadas, mas também relações duradouras. Sejam presenciais ou digitais.

Para saber mais sobre o tema, acesse o artigo de Cláudia Securato publicado hoje na GZM na seção Radar & Opinião, neste link.

 

Bia Nóbrega, especialista em desenvolvimento humano e organizacional: “Do ponto de vista organizacional, era o que tinha de ser feito. Se as pessoas estão desviando o comportamento daquilo que é esperado, o recado precisa ser dado”.

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