No dia 13 de junho de 2025, a Fundação Padre Anchieta (FPA), responsável pela gestão das Rádios e TV Cultura, fez história ao empossar Maria Ângela de Jesus, primeira mulher negra a ocupar o cargo de diretora-presidente da Fundação Padre Anchieta (FPA).
Jornalista de formação, com mais de 25 anos de carreira no audiovisual, atuou em produtoras e plataformas de renome como HBO, Netflix e Paramount, com atuação focada em produção executiva, desenvolvimento de conteúdo e liderança estratégica.
A eleição de Maria Ângela tem um enorme significado e representa um marco simbólico profundamente pedagógico e educativo, fortalecendo a identidade institucional da FPA, reforçando o seu compromisso com a inovação e com a sustentabilidade e demonstrando o seu engajamento com a agenda da diversidade, equidade e inclusão e com a promoção da cidadania plena para todos os brasileiros.
A presença da mulher negra em cargos de liderança e nas estruturas de poder dos meios de comunicação contribui para a desconstrução de estereótipos, reproduzidos de maneira sistemática, que ajudaram a perpetuar uma estrutura racista e sexista, consolidando desigualdades profundas tanto no âmbito da representatividade quanto do exercício da cidadania.
Representa também uma ruptura com as lógicas excludentes, com os preconceitos arraigados, contribuindo para a democratização efetiva que garanta a pluralidade de vozes que compõem a sociedade brasileira, abrindo espaço para olhares diversos, perspectivas plurais e, sobretudo, para a valorização de identidades ainda hoje invisibilizadas e silenciadas.
Portanto, é fundamental que a presença de mulheres negras nas estruturas de poder dos meios de comunicação não seja episódica, mas que se torne política de Estado, diretriz institucional e exigência ética. Essa presença precisa ser garantida por meio de cotas raciais, políticas de inclusão, critérios transparentes de ascensão profissional que garantam igualdade de oportunidades e um compromisso genuíno com a justiça social por parte dos veículos de comunicação.
É preciso destacar que a vitória de uma mulher negra sempre demanda um esforço coletivo e, por essa razão, deve ser celebrada e festejada por todas nós. Trata-se do resultado de um longo processo de enfrentamentos, reivindicações e lutas travadas nos movimentos negros e feministas, na sua luta cotidiana e constante contra a exclusão, a desigualdade de oportunidades, o racismo e o sexismo. É também o resultado da construção de redes de apoio, políticas públicas, formação crítica e qualificação profissional.
A presença de mulheres negras em posições de liderança, inclusive no campo midiático, representa uma reconfiguração importante das estruturas históricas de poder, porque, durante séculos, os meios de comunicação foram controlados quase exclusivamente por homens brancos, geralmente oriundos das elites econômicas e políticas. Esse monopólio comunicacional refletiu-se na forma como as histórias foram contadas, nas imagens que circularam sobre os corpos negros, nas narrativas hegemônicas que determinaram quem é visto, ouvido e lembrado. A entrada de mulheres negras em espaços estratégicos de comando é uma ação afirmativa que incide diretamente sobre esse cenário excludente, ampliando os horizontes de representatividade e contribuindo para uma comunicação mais democrática e plural.
Além disso, mulheres negras em cargos de liderança na mídia exercem um papel fundamental como referências simbólicas. Elas inspiram jovens que, por muito tempo, não se viram representadas de maneira justa, digna ou sequer possível nesses espaços. A força simbólica da representatividade é incontestável: quando uma mulher negra assume o protagonismo em instituições tradicionais, ela rompe barreiras que há muito pareciam intransponíveis e ressignifica o imaginário social, criando novas possibilidades de pertencimento e mobilidade social para as futuras gerações.
Outro aspecto fundamental diz respeito à qualidade do conteúdo produzido. Lideranças negras, ao ocuparem cargos de decisão, trazem consigo repertórios distintos, vivências múltiplas e uma leitura crítica das desigualdades que historicamente atravessam a sociedade brasileira. Isso impacta diretamente na curadoria dos programas, na escolha de pautas, seleção de jornalistas, na forma como são abordados temas como racismo, gênero, periferias, violência, ancestralidade e políticas públicas. Esse novo olhar torna a comunicação mais sensível, mais conectada com a realidade brasileira e mais comprometida com os princípios democráticos.
A eleição de Maria Ângela de Jesus, portanto, não é apenas um ato institucional: é uma conquista política de grande potência. É a demonstração concreta de que é possível transformar estruturas, redefinir prioridades e construir uma mídia representativa e mais diversa. Sua trajetória mostra que competência, excelência profissional e sensibilidade social podem — e devem — andar juntas.
A luta por equidade exige mudanças nos valores e nas culturas organizacionais, nas estruturas de governança, e requer o combate às violências cotidianas, às pressões desumanas, ao racismo estrutural e às desigualdades salariais e de reconhecimento que ainda persistem.
Por isso, é indispensável que a sociedade civil, os movimentos sociais e as instituições de ensino sigam mobilizados na criação de ambientes mais inclusivos, na produção de conhecimento sobre raça e gênero, na defesa de políticas públicas e no estímulo à formação de lideranças negras em todas as esferas da vida pública. Assim, poderemos transformar conquistas pontuais em processos duradouros de justiça social.
A eleição de Maria Ângela deve ser compreendida como parte de um movimento mais amplo de transformação social. Cada mulher negra que chega ao topo arrasta consigo muitas outras, abre portas, quebra silêncios, reescreve a história. Que essa presença se multiplique, se fortaleça e se consolide como uma marca permanente de um novo tempo nos meios de comunicação brasileiros. E a todas que nos antecederam nessa luta, que prepararam esse caminho e nos permitiram chegar aonde estamos, as nossas homenagens, respeito e reconhecimento.
Colaboração com Jornal da USP