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São Paulo,06/05/2025

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Direto do Campus Insper

Estudo aponta que choques econômicos positivos podem induzir o aumento da criminalidade

Artigo de coautoria do professor Rodrigo Soares mapeia os efeitos do avanço da indústria de petróleo nos municípios costeiros do Sudeste e identifica crescimento da violência na região


Estudo aponta que choques econômicos positivos podem induzir o aumento da criminalidade

No início dos anos 2000, a expansão das operações da indústria petroleira na região norte do estado do Rio de Janeiro transformou municípios como Maricá, Saquarema, Macaé, Campos dos Goytacazes, Araruama e Niterói. Em geral, essas cidades experimentaram um aumento no Produto Interno Bruto (PIB) per capita, além da expansão acelerada da população. A intensa movimentação financeira provocou um choque econômico positivo.

Mas o boom do petróleo deixou um outro legado: o aumento da criminalidade. Esta é a constatação a que chegaram os pesquisadores Rodrigo Soares, professor de Economia do Insper, e Danilo Souza, atualmente na Universidade de São Paulo (USP). Suas conclusões estão documentadas no artigo “Too much of a good thing: Accelerated growth and crime”.

Os autores apontam: “Mostramos que as áreas produtoras de petróleo do Brasil experimentaram aumentos na criminalidade durante o boomdo petróleo dos anos 2000, ao mesmo tempo em que a atividade econômica local crescia. Mais rico nem sempre significa mais seguro”.


Mais homicídios

Há algum tempo, o professor Soares planejava estudar o impacto da dinâmica da implementação da indústria do petróleo na região, há pouco mais de duas décadas. “Eu queria entender como o a região foi afetada pelo crescimento econômico acelerado da época e de que forma isso afetou a urbanização e a demografia local”, afirma. 

Encontrou em Danilo Souza um possível coautor. Na época, entre o final de 2020 e o início de 2021, Souza era pesquisador de pós-doutorado no Insper. “Já existiam artigos apontando que o pagamento dos royalties não havia proporcionado uma melhoria em serviços públicos ou na infraestrutura disponibilizada para os moradores.

Por outro lado, havia um adensamento urbano desorganizado. Daí a expectativa de que provavelmente poderia ter acontecido um aumento na criminalidade, a despeito do aumento da renda.”

Realizado ao longo de quatro anos, o levantamento concluiu que a criminalidade tendeu a aumentar mais durante o boom do petróleo justamente em municípios onde existem poços de petróleo. O artigo constata: “Um aumento de 100% nos preços do petróleo, não muito distante do aumento de preços observado durante o boom, está associado a um aumento relativo de 9,9 homicídios por 100.000 habitantes em áreas petrolíferas”.


Casos semelhantes

Esse fenômeno já foi identificado em outras regiões. Por exemplo, em El Salvador, a construção de uma rodovia transnacional atingiu diretamente municípios menores distribuídos ao longo da obra. 

Eles se beneficiaram economicamente com a presença dos trabalhadores, de um lado, mas de outro experimentaram aumentos no registro de extorsões e homicídios, o que sugere que surgiram novas oportunidades para atividades ilegais e uma maior presença do crime organizado. Situações semelhantes se repetiram durante a construção de estradas rurais no interior da Colômbia.

Trabalhos que identificam o aumento de criminalidade em regiões atendidas por grandes obras de infraestrutura questionam um antigo padrão acadêmico, que considera que a melhoria das condições de trabalho local gera melhores salários e mais oportunidades de crescimento pessoal, o que naturalmente aumentaria o custo de oportunidade para a criminalidade e reduziria os incentivos para jovens integrarem grupos dedicados a ações ilegais ou violentas.

“Não foi o que se viu nas regiões produtoras de petróleo na costa do Brasil”, afirma Rodrigo Soares, que já foi professor da Universidade Columbia e da Universidade de Maryland — e tem no currículo atuações como consultor para o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.


Resultados desafiadores

As características da indústria de petróleo no Brasil acrescentam uma camada de complexidade ao caso. “O aspecto peculiar deste episódio advém do fato de que o crescimento foi impulsionado por um choque em um mercado fortemente regulamentado, com direitos de propriedade fortemente aplicados.

Isso desafia a compreensão de que o status legal de um mercado é o único fator interveniente relevante na relação entre choques econômicos locais e taxas de criminalidade”, aponta o estudo.

Trata-se de um setor altamente regulamentado, portanto, que gerou aumento médio de quase 100% no PIB, na comparação com municípios não produtores. O crescimento foi o resultado de uma combinação de expansões na produção no setor petroquímico e atividades subsidiárias, expansão da demanda por serviços locais e pagamento de royalties aos governos locais.

O efeito esperado pela literatura acadêmica seria aumento do emprego formal e da incidência de atividades de maior valor agregado, além de ganhos na urbanização.

A oferta de vagas formais de fato cresceu. Mas a violência também. O estudo aponta que, inicialmente, foi registrado um aumento na desigualdade no mercado de trabalho formal, além de uma redução significativa na relação entre a folha de pagamento formal e o PIB local.

“Os municípios produtores de petróleo experimentaram crescimento populacional acelerado e urbanização durante esse período, acompanhados por uma maior presença de drogas ilícitas e trabalhadores jovens do sexo masculino”, aponta o trabalho. 


Colapso antes do legado

 O período de expansão, especificamente, registra reduções significativas nas taxas líquidas de matrícula no ensino médio, que se refere a adolescentes, o grupo com maior probabilidade de se envolver em crimes e ingressar em quadrilhas de tráfico de drogas no Brasil.

É muito provável, portanto, que o aumento da criminalidade seja resultado de uma combinação de fatores, incluindo mudanças no preço relativo da mão de obra e do capital, deterioração na cobertura de bens públicos e intensificação da presença de drogas ilícitas, num contexto de aumento do anonimato devido ao crescimento populacional acelerado e à urbanização.

“Esses resultados apontam para sutilezas na relação entre choques econômicos locais e criminalidade que não foram totalmente compreendidas pela literatura empírica anterior”, apontam os autores.

“Um dos grandes desafios do trabalho não foi identificar o aumento da criminalidade, mas explicar os motivos, mapear os potenciais mecanismos”, diz Soares. “A deterioração do espaço público é crucial neste contexto, porque ela provoca um sentimento de afastamento e de isolamento social, o que tende a impulsionar o crime, que por sua vez reforça o efeito de isolamento”.

Um agravante, afirma o professor, é o fato de que o choque econômico foi interrompido pela crise global do final da década. “Se o impacto positivo tivesse sido permanente, com aumento de renda consistente e continuado, é provável que os benefícios teriam se mostrado mais longevos e restringido a ação da criminalidade.

Mas o que aconteceu foi um crescimento vertiginoso, temporário, que impulsionou o crime — e depois colapsou antes de deixar um legado.”


Por Por Tiago Cordeiro, comunicação do Insper

Artigo original em: https://www.insper.edu.br/pt/conteudos/economia-e-financas/estudo-aponta-que-choques-economicos-positivos-podem-induzir-o-aumento-da-criminalidade

O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão do Insper e da Gazeta Mercantil Digital.



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