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São Paulo,06/05/2025

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Direto do Campus Insper

Contra a visão “carrocêntrica” das cidades

Por Sérgio Avelleda, coordenador do Núcleo Mobilidade Urbana do Centro de Estudos das Cidades | Laboratório Arq.Futuro (Insper Cidades)


Contra a visão “carrocêntrica” das cidades

Caso eu pedisse a você para me responder qual a primeira ideia que vem à sua cabeça quando escuta a expressão “rua”, seria bastante provável que a resposta fosse a palavra “carro”, ou talvez “movimento”, quem sabe “tráfego”. Estou certo?

Essa é a ideia que fazemos de rua: o lugar para o movimento, que permite às pessoas irem do ponto A ao ponto B. E em nossa mente, esse movimento se dá, ou deveria se dar, de automóvel.

Thalia Verkade é uma jornalista holandesa que passou a se interessar pelo tema mobilidade e espaços públicos quando, de volta aos Países Baixos, depois de viver na Rússia, enfrentou o dilema de comprar ou não um carro elétrico. Carro para resolver os desafios de seus deslocamentos e elétrico para garantir que a solução fosse sustentável.

Ao pensar no assunto, ela começou a perceber o tema “congestionamentos” e passou, então, a querer entender a raiz dos engarrafamentos de trânsito e por que eles não conseguem ser resolvidos em parte nenhuma do mundo. Na verdade, eles só aumentam.

Raciocine comigo: você alguma vez ouviu dizer que os congestionamentos estão menos intensos em qualquer cidade brasileira? Agora, me acompanhe um um pouco mais: quantas avenidas, viadutos, túneis e pontes você não viu os políticos e engenheiros de trânsito promoverem a inauguração com a promessa da solução dos engarrafamentos? Algo está fora do lugar, não?

Foi a partir dessa angústia que Thalia Verkade se interessou pelo uso de bicicletas, as quais,  àquela altura, já eram consideradas pelas autoridades como política de mobilidade, o que a levou ao urbanista Marco te Brömmelstroet e assim nasceu o livro Movimento: Como Reconquistar Nossas Ruas e Transformar Nossas Vidas (2021), recém-lançado no Brasil.

Thalia começou a entrevistar pessoas envolvidas em pesquisas e tomada de decisão acerca da gestão dos espaços públicos e ficou chocada quando cada um dos entrevistados demonstrava que o espaço público deveria ser pensado para outros usos e não apenas para garantir o movimento das pessoas.

A partir dessas conversas, instigantes e curiosas, o leitor da obra vai conhecendo alternativas ao monopólio dos carros no uso das ruas. 

O grande mérito do livro é como ele humaniza o debate. Através das mencionadas entrevistas, de estudos de caso e de uma narrativa acessível, Verkade e te Brömmelstroet destacam como as decisões de mobilidade afetam diretamente o dia a dia da população.

Eles argumentam que a busca pela eficiência e pela rapidez frequentemente ignora questões essenciais como segurança, inclusão, saúde e interação social.

A obra aborda o impacto do automóvel como o principal meio de transporte nas cidades e reflete sobre como a dependência desse modelo exclui outros modos de mobilidade – caminhar, andar de bicicleta e usar transporte público etc. – que são mais sustentáveis e acessíveis.

Tragédias individuais, derivadas da carnificina que é o trânsito, também vêm à tona e sensibilizam os mais céticos quanto à necessidade de outras prioridades para as ruas que não sejam os carros. Pois é, caro leitor. Também na Holanda o trânsito mata muita gente – verdade que bem menos do que aqui, no Brasil, onde morrem 120 pessoas por dia.

Destaco também a maneira pela qual o livro chama a atenção para algo relevante: como até o uso da linguagem foi dominado pela visão carrocêntrica. Você já reparou que falamos “a Paulista está fechada” aos domingos, para referir que a larga avenida está aberta aos pedestres, crianças, idosos, artistas de rua e ciclistas.

Ou como dizemos “usuários vulneráveis” para pedestres e ciclistas, que não eram vulneráveis até o aparecimento dos automóveis, que nunca são tratados como os “usuários perigosos” das vias. 

Por fim, a obra traz recomendações práticas de como agir para mudar a realidade em favor de cidades mais sustentáveis, seguras e conectadas. Não é pouco.


Serviço

Livro: Movimento: como reconquista nossas ruas e transformar nossas vidas

Thalia Verkade e Marco te Brömmelstroet, Editora Perspectiva. Tradução de Sonia Nussenzweig Hotimsky  248 páginas; R$ 79,90



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