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São Paulo,16/05/2025

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Guerra comercial entre EUA e China impactará nas demonstrações financeiras das empresas brasileiras

Por Henrique Campos, sócio de auditoria contábil da BDO


Guerra comercial entre EUA e China impactará nas demonstrações financeiras das empresas brasileiras

A persistente disputa comercial entre as duas maiores economias do mundo, Estados Unidos e China, inevitavelmente reverbera em seus parceiros comerciais globais. O Brasil, com laços econômicos significativos tanto com Washington quanto com Pequim, não está imune a esses ventos turbulentos.

Compreender os principais impactos e as adaptações necessárias sob a égide das Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS) é crucial para a resiliência e o planejamento estratégico das empresas brasileiras.

Embora as tarifas impostas diretamente a produtos brasileiros possam, em alguns casos, apresentar alíquotas relativamente modestas, gerando oportunidades pontuais em relação a concorrentes mais taxados, a análise do impacto deve transcender essa visão.

O fato é que a situação instaura um clima de instabilidade e incerteza na economia global, afetando o fluxo de comércio, os investimentos estrangeiros diretos e o ritmo do crescimento mundial. Uma possível desaceleração nas economias americana e chinesa, por si só, representa um risco para a demanda por bens e serviços brasileiros, independentemente de barreiras tarifárias diretas.

Portanto, a reconfiguração das cadeias de suprimentos globais emerge como um fator de grande relevância. Empresas multinacionais repensam suas estratégias de produção e sourcing, buscando alternativas geográficas.

Para o Brasil, essa dinâmica apresenta tanto a promessa de atrair novos investimentos quanto o perigo de perder espaço em mercados tradicionais, a depender da capacidade do país em oferecer um ambiente de negócios competitivo e confiável, e isso passa também pela transparência.

O setor de commodities, reconhecido pilar da nossa economia, também se encontra em um epicentro de volatilidade. Se, por um lado, a menor competitividade de outros players pode impulsionar a demanda por produtos agrícolas e minerais brasileiros, a instabilidade global, inevitável diante de uma guerra comercial, pode gerar flutuações de preços imprevisíveis, desafiando o planejamento e a gestão de riscos dos exportadores. E isso certamente impactará as demonstrações financeiras de muitas empresas.

Tendo como base o IFRS, as recentes decisões de EUA e China não impõem uma revisão fundamental dos procedimentos de reconhecimento e mensuração contábil. As tarifas de importação e exportação são, em sua essência, custos tributários que impactam diretamente o resultado das empresas.

O aumento dos custos de importação ou a redução da receita de exportação serão devidamente registrados na Demonstração do Resultado, influenciando o lucro tributável e, consequentemente, os tributos sobre o lucro. No Balanço Patrimonial, os efeitos podem ser observados indiretamente no valor dos estoques e nas contas a receber.

Contudo, a aplicação dos princípios do IFRS em um cenário de guerra comercial exige um olhar mais atento e um julgamento profissional acurado. As empresas brasileiras devem intensificar a avaliação de potenciais impairments de ativos, a necessidade de constituição ou ajuste de provisões para perdas e contingências, e, crucialmente, a qualidade e a extensão das divulgações em suas notas explicativas.

A transparência sobre os riscos e incertezas decorrentes da situação geopolítica e seus potenciais impactos na posição financeira e no desempenho é fundamental para os usuários das demonstrações contábeis. Em situações extremas, a própria premissa da continuidade operacional pode necessitar de uma análise crítica.

Embora o impacto seja transversal, alguns setores da economia brasileira demandam uma atenção especial. O agronegócio e a mineração, dada a sua relevância para as exportações e a potencial sensibilidade à demanda chinesa e à competitividade americana, estão particularmente expostos.

Já no setor industrial, as complexas cadeias de suprimentos globais, especialmente em segmentos como o automotivo e o de eletrônicos, podem enfrentar disrupções significativas, tanto no aumento dos custos de insumos quanto na volatilidade da demanda.

A contabilidade brasileira, alinhada aos padrões internacionais do IFRS, não necessita de uma reformulação de suas normas em decorrência direta do embate EUA x China. A adaptação reside na aplicação mais rigorosa e criteriosa dos princípios existentes.

A avaliação de riscos, a mensuração precisa dos impactos financeiros e a transparência nas divulgações tornam-se primordiais. As empresas precisam estar preparadas para documentar e justificar seus julgamentos contábeis em um ambiente de incerteza econômica ampliada.

A continuidade e a intensificação da guerra comercial podem, a longo prazo, influenciar a dinâmica da normatização contábil global. O crescente reconhecimento do IFRS como padrão internacional poderia ser ainda mais impulsionado caso ocorra uma instabilidade prolongada, potencialmente relativizando a influência do Generally Accepted Accounting Principles (US GAAP) - princípios contábeis geralmente aceitos nos Estados Unidos - em fóruns globais. O IASB, como órgão normatizador independente, pode emergir como um farol de consistência e comparabilidade em um cenário geopolítico mais fragmentado.

O cenário também será complexo para empresas brasileiras de capital aberto que contam com investimentos significativos no exterior. A valorização do dólar frente ao real, frequentemente observada em períodos de incerteza econômica global como o que se apresenta neste momento, pode gerar um impacto positivo imediato na conversão desses investimentos para a moeda local, resultando em ganhos cambiais reconhecidos no resultado financeiro.

No entanto, essa mesma valorização cambial pode ter efeitos adversos. Caso essas empresas possuam passivos em dólar, o custo financeiro referente a eles aumentará. Além disso, a instabilidade no comércio internacional e a potencial desaceleração econômica nos países envolvidos na disputa, podem impactar negativamente no desempenho operacional desses investimentos no exterior, reduzindo dividendos, lucros e, consequentemente, o valor justo desses ativos.

Sob a luz das normas internacionais, as empresas devem monitorar de perto esses investimentos, avaliando se há deterioração das condições econômicas nos mercados onde atuam suas investidas. Importante lembrar que a volatilidade cambial pode exigir a utilização de instrumentos de hedge para mitigar os riscos associados à flutuação do dólar, com a respectiva contabilização seguindo as regras vigentes.

Não resta dúvida que a guerra comercial EUA x China impõe desafios e incertezas significativas à economia brasileira e de todo mundo. Para as empresas, a compreensão dos impactos sob a lente do IFRS não se limita à contabilização direta das tarifas, mas abrange uma análise aprofundada dos riscos, uma aplicação rigorosa dos princípios contábeis e uma comunicação transparente com todos os públicos.

E não é clichê dizer que a resiliência e o sucesso num cenário global cada vez mais complexo dependerão, sobretudo, da capacidade de adaptação e da vigilância constante das empresas brasileiras.

Conselhos de administração, comitês de auditoria e investidores têm uma missão árdua. Governança corporativa, transparência e controle deixam de ser diferenciais e passam a ser uma atitude obrigatória para sobreviver a mais esta tempestade global




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